terça-feira, 28 de julho de 2020

Cine Baú - A Loja da Esquina (The Shop Around Corner)

De: Ernst Lubitsch. Com Margaret Sullavan, James Stewart, Frank Morgan e Felix Bressart. Comédia romântica, EUA, 1940, 99 minutos.

Se tem uma dica que costumo dar para aquelas pessoas que pretendem ter uma iniciação nos clássicos, é a de buscar os obras um pouco mais leves, menos densas, ou que nos retirem um pouco a imagem do filme antigo como um produto arrastado, em preto e branco, longo ou incompreensível. Há muitos diretores que filmaram obras descomplicadas, que continuam fazendo um bom papel em sessões domésticas do novo milênio. Sim, eventualmente pode haver algum tipo de anacronismo na abordagem de certas temáticas - eram outros tempos -, mas o objetivo de se divertir descompromissadamente com o cinema, definitivamente não mudou. A Loja da Esquina (The Shop Around Corner), deliciosa comédia romântica lançada em 1940 pelo diretor Ernst Lubitsch, é um desses exemplos: não é um filme premiado, dificilmente aparece em listas de melhores da história. Mas é uma joia otimista, cheia de bom humor que vale a pena ser vista - especialmente em tempos duros como os que vivemos, de descrença generalizada.

Aliás, aquele período foi pródigo no lançamento de filmes que pretendiam retirar os americanos do cenário de dor em que viviam - o País mal se recuperava da grande quebra da bolsa de 1929 e ainda convivia com um cenário de entre guerras que, aos poucos, se estabelecia. Era preciso rir e diretores como Frank Capra, Howard Hawks, Preston Sturges e George Cukor, entre outros, além do já citado Lubitsch, se empenharam nisso. Baseada em uma peça de teatro do escritor húngaro Miklós Lázsló, a trama de A Loja da Esquina se passa toda praticamente em um mesmo cenário - a tal... loja da esquina, empreendimento que fica no coração de Bucareste e que vende produtos diversos para a classe média (de bolsas, passando por valises, até chegar a caixas de música). Empregado dedicado, Alfred (James Stewart) está apaixonado: troca correspondências com uma garota que nunca viu, depois de ver um anúncio no jornal - algo que, aparentemente, era hábito na época.


Num dia de rotina no trabalho, surge a jovem Klara (Margaret Sullavan), que está desempregada e desesperada por um emprego. Após uma manobra arrojada e surpreendente ela vende uma caixa de música totalmente sem graça para uma cliente que a olhava sem muito interesse: abismado, o dono, um certo Sr. Matuschek (Frank Morgan), a contrata. As cartas de Alfred continuam, assim como a rotina turbulenta da loja, que tenta sobreviver às crises que envolvem a todos - inclusive conjugais. E, bom, estamos em uma comédia romântica, então não é nem um pouco complicado imaginar onde essa história vai dar. E isso após Alfred ser demitido por um tremendo mal entendido - e recontratado logo depois. Detalhe, o homem não se acerta com Klara de jeito nenhum, já que eles parecem ter personalidades completamente distintas. Mas estamos no cinema e, no cinema, os opostos se atraem, se aceitam, se ajustam, se entendem. Especialmente porque o Natal está chegando e, como costuma lembrar a crítica especializada, os norte-americanos não resistem a uma noite de Natal!

Nos dias de hoje o desfecho do filme pode soar meio bobinho e até forçado. Mas até tudo acontecer são dezenas de ótimas piadas, diretas, cheias de um senso de humor meio cínico. É o caso, por exemplo, do instante em que Alfred revela como tem procedido para dar um ar mais "erudito" pras suas cartas: "elas são metade Shakespeare, metade eu, sendo a minha parte a da assinatura", comenta o enamorado. Já no instante em que Klara se empenha em vender a caixa de música - cujo som é completamente irritante - ela argumenta que podem ser colocados doces dentro dela: "e como a música é péssima, a gente vai abrir ela menos vezes e comer menos doces, já que temos de abri-la", explica sorrindo. No fim são vários pequenos instantes em que reina um senso de humor quase ingênuo, fruto de diálogos rasgantes e muito engraçados. Sem grandes arroubos técnicos - por mais que a fotografia seja correta e a trilha sonora extremamente graciosa -, a obra se estabelece como um marco de um tipo de filme que entrou nas casas da classe média estadunidense, para mostrar que ainda dava para manter a esperança no "sonho americano".

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