quarta-feira, 27 de setembro de 2023

Pérolas da Netflix - Leonera

De: Pablo Trapero. Com Martina Gusman, Laura Garcia, Elli Medeiros e Rodrigo Santoro. Drama, Argentina, 2008, 113 minutos.

Vamos combinar que é um tema bastante complexo aquele que assistimos no ótimo Leonera - filme do habitualmente competente diretor argentino Pablo Trapero (de Elefante Branco, 2012). No centro da narrativa, uma pergunta nada simples: como agir quando o assunto é a maternidade em uma prisão feminina? Uma mulher grávida que cumpre pena por algum crime eventualmente bárbaro - como é o caso de um assassinato - deve ter o direito de permanecer com o seu filho, assim que ele nasce? Se sim, por quanto tempo? E mais: essa criança inocente deve permanecer confinada sob a desculpa de necessariamente estar ao lado de sua genitora? O que talvez envolva crescer em um ambiente disfuncional, sujo e, em muitos casos, até violento? Não me parece ser muito fácil fornecer essas respostas de bate pronto, ainda mais que nessa equação está também o tratamento dado pelo sistema carcerário a esta mãe. O que deve, evidentemente, respeitar os direitos humanos, acima de tudo.

Admito que até pra pesquisar sobre o tema no Google tive um pouco de dificuldade. Não é um assunto que faz parte da nossa rotina. E num País que perdeu a vergonha de verbalizar que "bandido bom é bandido morto" - especialmente se este for preto, pobre, periférico, enfim, vulnerável -, não parece ser algo que vá ser discutido com muita tranquilidade no almoço dominical. Mas o que Trapero faz, antes de qualquer coisa, é jogar luz sobre essa temática (o que é sempre um mérito no que diz respeito à arte). No Brasil, o último levantamento parece apontar haver 622 mulheres presas que são ou gestantes ou lactantes. Que têm o direito de permanecer com seus filhos por um prazo máximo de seis meses - após esse período eles são destinados a um familiar, normalmente a avó. Ou um abrigo, se não houver alternativa. Nunca a solução parecerá das melhores, enfim.

No caso de Leonera, a protagonista Julia (Martina Gusman) é presa em circunstâncias um tanto quanto confusas - o que envolve a inesperada morte de seu ex-namorado, após uma noitada em que ela não parece lembrar de muita coisa. Há apenas a trilha de sangue, uma série de objetos espalhados - garrafas, bitucas de cigarro, aquele cenário meio caótico -, e uma terceira pessoa que sobrevive: no caso um suposto amante do morto, de nome Ramiro (Rodrigo Santoro). O que aconteceu de verdade a gente nunca consegue ter certeza. Fica o dito pelo não dito, mas tanto Julia quanto Ramiro acabam tendo suas prisões preventivas decretadas - enquanto advogados de parte a parte se empenharão para colocá-los em liberdade. Por estar grávida do ex, a situação de Julia é mais complexa: ela é enviada a uma ala destinada a gestantes, onde conseguirá ter o mínimo de condições (mas mínimo mesmo) para uma gravidez mais "tranquila", ao lado de outras mulheres em condições parecidas.

Em meio a crianças que choram o tempo todo, discussões por motivos inesperados e incerteza quanto ao seu futuro, Julia se ambientará aos poucos - especialmente após fazer amizade com Marta (Laura Garcia), sua solidária vizinha de cela, que também cria um filho pequeno. Na Lei local, mães como Julia podem permanecer com seus filhos por quatro anos. O que não deixará de ter um certo requinte de crueldade, ao pensarmos na possibilidade de o pequeno ser simplesmente retirado de suas mãos, após esse tempo ser expirado. Com tudo piorando quando entra em cena a mãe de Julia, Sofia (Elli Medeiros), que parece disposta a fazer por onde para que a criança seja criada do lado de fora da prisão. Em liberdade. Em contato com outras crianças e com o mundo. Sim, eu disse que era difícil. E o filme não facilita ao converter a prisão em um espaço de confinamento pouco convidativo e claustrofóbico. A gente só consegue torcer pra que Julia mostre as garras e se livre de uma vez daquele ambiente. Talvez o tipo de empatia que devêssemos ter mais vezes quando o assunto é o sistema prisional.


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