De: Roger Ross Williams. Com Gael García Bernal, Perla De La Rosa, Bad Bunny e Raúl Castillo. Drama, EUA, 2023, 106 minutos.
Disponível na Amazon Prime, Cassandro me apresentou a um universo que eu, honestamente, desconhecia. Quer dizer, não é que eu não soubesse da existência da lucha libre, essa mistura de arte e esporte em que homens fantasiados, mascarados - às vezes até de forma meio extravagante - executam uma mistura de lutas com coreografias acrobáticas. Tudo bastante dramático, pomposo, exagerado e latino, com vistas a entreter um público ávido por essa pancadaria arranjada. O que eu não sabia - ou, vá lá, se sabia não me lembrava - era que nesse universo tão iminentemente masculino, de disputas maniqueístas de bem contra o mal, havia um grupo de atletas, muitas vezes gays, que eram chamados pela alcunha de "exóticos". Sim, como se já não bastasse a problemática em si por trás desse vocábulo, ainda havia um outro fato: na lucha libre, os exóticos, muitas vezes, eram os violões da história.
Por que, onde já se viu subverter a lógica de um cenário onde brutamontes mascarados se pegam no pau (com o perdão do trocadilho) para se apresentar com vestes brilhosas, purpurinadas e bastante femininas? Baseado em um pessoa real, no caso o lutador Saúl Armendáriz (Gael Garcia Bernal, encarnando, como de praxe, personagens ambíguos com bastante naturalidade), o filme de Roger Ross Williams acompanha o esforço do protagonista na tentativa de desconstruir o personagem exótico, convertendo-o em uma figura simpática ao público. E menos vilanesca do que se supõe. Criado pela mãe Yocasta (Perla De La Rosa) Saúl é, até certa altura, apenas mais um competidor, que disputa lutas amadoras em garagens pouco empolgantes na divisa entre o México e os Estados Unidos. Por conta de sua pouca expressividade corporal e tamanho diminuto, se torna o sparring natural de grandalhões que lhe rodopiam ringue afora, até lhe nocautearem (ainda que, de brincadeirinha, com todos ganhando o seu dinheiro justo com isso).
Meio cansado da vida de "rudo" (como são chamados esses vilões que dificilmente têm seus nomes gritados pelo público), Saúl resolve assumir a sua real personalidade de exótico - o que envolverá, naturalmente, superar uma série de preconceitos (e é interessante notar como, mesmo sendo mais ou menos bem aceito pelos demais lutadores, ele ainda ouve piadinhas, ameaças e outros comportamentos nada amistosos). Sim, a intolerância e o ódio estão em toda a parte e não seria diferente nesse ambiente. Claro, o objetivo de Saúl também era pessoal, para além da libertação de sua sexualidade: queria crescer, subir na vida de wrestler, o que, se apresentando sob o apelido de El Mouse, definitivamente não seria possível. E a mudança de chave se dará quando ele conhece a sua nova treinadora, a determinada Sabrina (Roberta Colindrez), conhecida como Lady Anarquina. Será com ela que Saúl renascerá oficialmente, como Cassandro, O Exótico.
Negligenciado pelo pai e criado pela mãe, Saúl parece ter os próprios demônios pessoais a superar nesse processo - como se já não bastasse a homofobia do entorno (que, num Estado tão conservador como o Texas, poderia ser ainda pior). Mas ainda que a temática seja mais séria, o filme não força a mão, apresentando o protagonista como um sujeito abusadamente carismático, capaz de converter cada batalha nos palcos em uma verdadeira peça de teatro multicolorida, imprevisível e muito satisfatória para o público. E, mais confiante, ele também se sentirá mais à vontade para expressar a sua sexualidade na vida real, o que pode ser exemplificado nos encontros secretos com o colega Gerardo (Raúl Castillo). Com participação de Bad Bunny, a obra possui excelentes performances, sendo Bernal o grande destaque, com sua entrega absolutamente física - que vai boca cheia de batom aos desfiles debochados no palco. O que dá a essa produção comovente e de superação, um tempero a mais. Vale conferir!
Nota: 8,0
Nenhum comentário:
Postar um comentário