sexta-feira, 2 de outubro de 2020

Novidades no Now/VOD - Três Verões

De: Sandra Kogut. Com Regina Casé, Otávio Müller, Gisele Fróes, Jéssica Ellen e Rogério Fróes. Comédia dramática, Brasil / França, 2020, 93 minutos.

Imagine uma mistura de Que Horas Ela Volta? (2015) com Casa Grande (2014) e talvez tenhamos algo mais ou menos aproximado da proposta levada à tela pela diretora Sandra Kogut neste Três Verões. Não é um filme tão escancarado na análise do espectro social da classe média decadente - há até um certo humor meio deslocado, às vezes até estranho -, mas é o tipo de obra que passa o recado, além de ser bem amarrada, redondinha. Na trama, Regina Casé encarna a persona à qual ela tem meio que se especializado: a da empregada bem cotada de um casal rico, que fica no limite entre o respeito a hierarquia e o deboche fácil diante e um contexto que pode estar desmoronando. Seu nome é Madá. Na abertura do filme, ela e os outros empregados estão fazendo os preparativos para a festa de Ano Novo dos patrões Edgar (Otávio Müller) e Marta (Gisele Fróes), em uma bela mansão à beira mar. Com família, DJ, karaokê, enfeites, parentada bem vestida, elogios ao governo Bolsonaro e comida boa.

Esta é a primeira parte. O primeiro verão, no caso. E que se passa em dezembro de 2015. Na temporada seguinte, no final de 2016, o que se instala é um clima de mistério que perpassará praticamente todo o segmento. Nele, os empregados estão agitados porque a festa de Ano Novo foi cancelada de última hora. Pior, após Madá sair para resolver algumas questões burocráticas relativas a um empreendimento que ela pretende instalar junto a beira da praia - um quiosque para venda de produtos -, ela se depara com uma inesperada visita de integrantes da Polícia Federal. Edgar está sendo preso e, de posse de um mandado de busca e apreensão, os oficiais vasculham a casa. De cima a baixo. O que gerará constrangimentos inclusive com o idoso seu Lira (Rogério Fróes), o pai de Edgar. A investigação não será esclarecida totalmente - parece envolver algum tipo de corrupção - e o que está acontecendo é que os patrões de Madá foram pegos pela Operação Lava Jato.

No terceiro segmento um novo salto no tempo: em meio a lutas para que os empregados consigam receber os valores pendentes ao trabalho, em meio a uma intensa disputa judicial, Madá tem a ideia de colocar os objetos que ficaram na casa a venda para levantar uma grana. Aliás, a própria casa, lindamente mobiliada, vira alternativa de luxo em sites do tipo Airbnb. Enquanto o imbróglio não se resolve, a equipe de funcionários vai se virando. Até a piscina fica a disposição - e se Madá quiser tomar um banho, estará autorizada, muito provavelmente. Sem que isso represente um tipo de quebra efetiva do status quo. No caso de Três Verões a casa cai num estilo quase literal, com um forte esquema de corrupção vindo à tona, com direito a prisões e um coletivo de empregados meio sem saber o que fazer. Aliás, até uma propaganda de Natal será gravada na casa, com equipe de produção e tudo: e quem brilhará na melhor cena da obra será a própria Madá, que resumirá a sua condição de uma forma quase inesperada.

Resumo da ópera: é um filme bom? É. Tem sensibilidade, passa voando, a gente dá risada. Mas o clima acaba sendo, muitas vezes, tão leve, que a eventual crítica social acaba meio que diluída em meio a uma grande quantidade de piadas bobas (como na sequência em que Madá insiste em vender um "buda"). Ainda assim, a interface com as redes sociais na atualidade é um achado - como na cena em que a governanta se surpreende com a completa ausência de postagens no Instagram no verão em que se desencadeará a tragédia. Aqui e ali é uma obra que fará o comentário num formato de pequenas "pitadas", menos interessado em formar um grande painel do contexto social e político pós Impeachment da Dilma e muito mais preocupado em lançar um olhar para quem fica e precisa tocar a vida em um cenário de Brasil que se desmantela - e que se reorganiza ali adiante. E, nesse sentido, o que resta é o espaço para a esperança, por um Ano Novo que novamente chega, com seus foguetes, taças cheias de espumante, sorrisos e festa. O brasileiro, afinal, a gente sabe: não desiste.

Nota: 7,5

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