terça-feira, 4 de agosto de 2020

Tesouros Cinéfilos - Amnésia (Memento)

De: Christopher Nolan. Com Guy Pearce, Carrie-Anne Moss, Joe Pantoliano e Stephen Tobolowsky. Suspense, EUA, 2000, 113 minutos.

Vamos combinar que foi um baita cartão de visitas este Amnésia (Memento), filme de estreia do diretor Christopher Nolan (de A Origem, Interestellar e Dunkirk, além da trilogia Batman: O Cavaleiro das Trevas), que pavimentou o caminho para que ele se tornasse um dos mais importantes e celebrados diretores da atualidade. Cada obra do realizador é aguardada, não por acaso, com certa ansiedade pelos fãs, sendo este o caso de Tenet que, em meio a pandemia, já mudou tantas vezes de data de estreia que a gente já tá meio perdido se ele vai ser exibido nos cinemas ou se vai direto para o streaming - nas salas brasileiras (sim, salas), a data oficial é 10 de setembro. Mas o assunto aqui é Amnésia e seu roteiro absurdamente engenhoso, que utiliza a sua narrativa fragmentada e de trás pra frente, para contar a história de vingança de um sujeito que perdeu a mulher (e a sua memória). Trata-se de uma proeza fílmica, um trabalho de edição impecável, inesquecível.

O filme começa com o assassinato meio estranho de um certo Teddy (o ótimo Joe Pantoliano), o que seria, em tese, a resolução do caso. Quem segura a arma que o mata é Lenny (Guy Pearce) que parece finalmente ter descoberto o responsável pelo crime ocorrido no passado - no caso um assalto que resulta na morte já citada da esposa do protagonista e que, de quebra, lhe deixa incapacitado de recordar de eventos recentes - o distúrbio é conhecido como "amnésia anterógrada", que é a impossibilidade de formar memórias novas. Assim, para que não seja traído pelas confusas lembranças, Lenny adota uma série de estratégias: pendura bilhetes em paredes, anda com fotos cheias de instruções nos bolsos - sobre pessoas, sobre objetos, feitas com a sua inseparável polaroide -, além de tatuar no corpo algumas verdades que considera mais definitivas. A intenção é se vingar pelo crime ocorrido no passado, algo praticamente impossível pra que não se recorda do que aconteceu 15 minutos atrás e que vai montando o quebra-cabeças com pistas tão escassas.


Para o espectador, o exercício é muito divertido - e tenso, claro! O filme vai voltando no tempo e adicionando aos poucos mais situações e pessoas que surgem no dia a dia atribulado de Lenny. Ele está em um hotel, mas parece não saber bem por qual motivo. Há na história uma mulher de nome Natalie (Carrie-Anne Moss) que também parece carregar um trauma do passado. O protagonista perambula pela cidade numa espécie de rewind fílmico, em que alguns episódios, se emendam em outros e, com as poucas informações que temos, vamos tentando, também, chegar a alguma conclusão, ainda que nada pareça ser definitivo. Como parte do flashback, cenas em preto e branco mostram que Lenny trabalhava numa espécie de seguradora, em que atendia um paciente que sofria da mesma doença incapacitante com a qual ele convive hoje. É tudo muito misterioso, complexo, claustrofóbico. Quando Teddy aparece não sabemos se ele é um amigo. Ou se tá agindo para prejudicar o protagonista. O mesmo valendo para Natalie.

É, no final das contas, uma daquelas obras de fazer cair o queixo e que nos surpreende a todo o momento, especialmente pela capacidade que a narrativa tem de desagrupar tudo o que estamos vendo para, no instante seguinte, rearranjar tudo de novo, em uma lógica de acontecimentos que vai nos ajudando a compreender o mistério - por mais que, por vezes, pensemos estar distantes de qualquer solução. É o que acontece quando uma personagem surge com o rosto machucado, por exemplo, e a gente imediatamente já tente "lembrar" do que ocorreu, sendo que ainda não assistimos ao ato em si. Pearce, que já apareceu em algumas dezenas de filmes, entrega aqui uma atuação altamente convincente: sua confusão é palpável e sua tomada de decisões parece ser, genuinamente, reflexo de sua desordem. Mas a força da obra de Nolan está, efetivamente, em seu formato narrativo que, amparado por um uso espetacular da parte técnica - tudo é bom, da fotografia à edição de som -, torna essa uma assombrosa e inesquecível obra sobre os mistérios da mente. Vale demais!

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