Baseado em uma história real, A Música da Minha Vida (Blinded By The Light) é o maior candidato a feel good movie desse ano. O filme não apenas se passa nos anos 80: ele parece dos anos 80, tendo aquele charme brega que faz lembrar os clássicos adolescentes do John Hughes - caso de Curtindo a Vida Adoidado, por exemplo. Na trama acompanhamos o jovem Javed (Viveik Kalra), um adolescente de ascendência paquistanesa que mora em Luton, na Inglaterra comandada com mão de ferro por Margaret Thatcher. De família conservadora, o rapaz sonha em ser escritor, sendo impedido pelo pai de frequentar festas, namorar, ouvir músicas que não sejam as de sua terra natal ou qualquer outra atividade prosaica para um adolescente de 16 anos. Sua vida se resume a ir de casa para a escola e da escola para casa - ele mente que está fazendo disciplinas de economia, quando na verdade está estudando letras e se preparando para entrar para a faculdade.
Mas a sua vidinha vira de ponta-cabeça quando ele conhece o excêntrico amigo Roops (Aaron Phagura). Em meio aos sintetizadores que movimentavam o ano de 1987 - as festas eram regadas a muito Pet Shop Boys, Human League, Level 42, entre outras -, Roops entregará a Javed duas fitas K7 com músicas do Bruce Springsteen. Em uma noite de solidão, de cerceamento da liberdade e de descrença na literatura que produz, Javed coloca uma das fitas para rodar. Ao som de Dancing In The Dark, cantada pela voz gutural do The Boss, uma epifania: ele não pode mais continuar nessa cidade. Precisa alçar outros voos, buscar seus objetivos, desatar o cordão umbilical que lhe une a um modelo de família antiquado e que lhe castra. Você não pode começar um incêndio sem uma faísca, afinal. E será em torno desse arco dramático, que essa história divertida e comovente em igual medida, se desenrolará.
A maioria das pessoas sabe que as canções de Springsteen muitas vezes versaram sobre a frustração da vida nas pequenas cidades, a luta dos operários para pagar as contas - seus pais eram trabalhadores de classe baixa -, seus anseios, motivações e romances de "beira de estrada", em meio a um cenário de instabilidade social. Não por acaso, as classes menos abastadas sempre se identificaram com o estilo direto do compositor, um cronista capaz de confrontar o mainstream ou o status quo. E esse espírito mais "político", de análise mais macro de um contexto social, também é o que move os personagens do filme. Javed precisa, alguns punhados de vezes, driblar os novos (e orgulhosos) fascistas ingleses que investem contra os imigrantes com um tipo de reacionarismo latente. Já a candidata a namorada de Javed, a simpática Eliza (Nell Williams), surge nas ruas se manifestando em defesa da libertação de Mandela. O antagonismo entre racismo e xenofobia e tolerância e empatia está em cada curva da película dirigida pela indiana Gurinder Chadha. E nos faz pensar no contexto político/social/cultural atual que estamos vivendo.
E, vamos combinar que isto, por si só, é um mérito, em um filme que prima pela leveza e que é conduzido sem excessos, comovendo de forma orgânica, natural. A luta de Javed tem a ver com os conflitos entre gerações, mas também joga luz sobre algo maior: a necessidade de superação de preconceitos na busca por espaço. Em dado momento o pai de Javed lhe inquire: quantos escritores existem no Paquiestão? O jovem fica sem resposta. Mas a quebra de paradigma se torna uma meta. Até pouco tempo atrás não havia mulheres, negros ou gays em cargos públicos e isto agora está mudando. Na jornada transformadora de Javed, também está a busca por alterar aquilo que lhe propõe o destino. O que ele faz com sua força de vontade, com seus méritos e também com o apoio de outras pessoas, como a otimista professora Ms. Clay (Hayley Atwell). Um dia, garota, eu não sei quando / Nós chegaremos naquele lugar que tanto queremos ir / E caminharemos sobre o sol / Mas até lá, garota, / Vagabundos como nós, Baby, fomos feitos para fugir canta The Boss em Born To Run. De alguma forma, é o que move as intenções de Javed nesse pequeno grande trabalho.
Nota: 8,0
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