Há sempre um desejo profundo escondido nos melhores sonhos e nas mais
delirantes fantasias de sua alma. Dedicar-se a um instrumento, cuidar
melhor da saúde, ter independência financeira, viajar pelo mundo, manter
um cronograma comprometido de estudos ou até mesmo escrever um livro. É
um enredo bastante comum e muito particular, a insatisfação com a
realidade faz com que busquemos aquilo que um dia foi, ou continua
sendo, nossa grande paixão. Contudo, acabamos esbarrando nos problemas
mais comuns de uma vida ordinária, não temos tempo, não temos dinheiro,
não temos algum conhecimento prévio necessário e, acima de tudo, não
temos coragem para mudar ou reorganizar a rotina.
O
cinema é uma fábrica redentora de desejos frustrados. Quase sempre os
mais clichês possíveis, como o músico que sonha em ser um rock/pop star e
é descoberto pelo produtor que passa pelas acinzentadas ruas de
Londres, o artista plástico incompreendido pelo vulgo que é um sucesso
depois de morto, o mochileiro solitário em busca de autoconhecimento
(sempre na europa, afinal somente lá podemos encontrar a verdadeira
cultura e filosofia) que vivencia o amor da sua vida e, claro, o ávido
leitor classe média que sonha em escrever um clássico da literatura
universal. Confesso que, sendo professor de literatura e produtor de
conteúdo dedicado aos livros, muitas vezes me vi fantasiando uma grande
palestra ou uma sessão de autógrafos na Feira do Livro de Porto Alegre,
ao lado de grandes mestres da estirpe de Charles Kiefer, Luis Fernando
Veríssimo, Milton Hatoum e Altair Martins, para ficar apenas nas
“possibilidades reais” da vida. Enquanto isso, aqueles contos e poemas
inacabados que - talvez - um dia se convertam em uma edição continuam
escondidos e muito bem guardados nas gavetas virtuais do computador.
É comum desejarmos o nosso “Meia-Noite em Paris” particular, aquele
momento em que os astros e os signos se alinham e o universo conspira
para nossa felicidade, nos presenteando com as respostas mais
reveladoras e com os mais didáticos acontecimentos, uma espécie de vida
em modo tutorial, tão fácil, tão simples….e totalmente irreal. O filme
de Woody Allen, ganhador do Oscar de Melhor Roteiro Original em 2012, é
belíssimo ao apresentar a romântica, atual e nostálgica, Paris que,
convenhamos, é cenário perfeito para qualquer obra, seja na rua, na
chuva, na fazenda ou numa casinha de sapê. Gil Pender (Owen Wilson) é um
roteirista de sucesso em busca de inspiração para finalizar o seu
romance e que, amarrado junto à família de sua noiva Inez (Rachel
McAdams), não consegue desenvolver sua escrita, não consegue encontrar a
sua voz. Sobra dinheiro, sobra tempo, sobra técnica, mas lhe falta
coragem. E nós, muito distantes do protagonista do filme, ficamos
frustrados quando reconhecemos que Hemingway em pessoa não vai nos dar
uma dica preciosa, nos mostrar uma técnica narrativa surpreendente.
Pensamos em desistir quando percebemos que Salvador Dalí não vai nos
convidar para saborear um bom vinho tinto e destilar toda sua
genialidade em nosso favor.
Deixo aqui as epifanias
hollywoodianas de lado para a necessidade de escrever o óbvio: as
respostas não estão na astrologia, no acaso ou em Paris. A inspiração
não é um objeto, mas um estado. Não é preciso sair em busca de um cálice
sagrado, ou melhor, saia, procure, mas atente ao percurso. Estamos
sempre tão focados em algum tipo de prêmio e esquecemos que o processo
mais revelador e surpreendente é permitir-se vivenciar as experiências,
liberando um espaço interno da nossa mente e coração. A vida real pode
ser a prática mais inspiradora possível e as respostas estão nas suas
dores, alegrias, vitórias e derrotas. Na teoria é bem mais fácil, há que
se admitir, mas você pode estar em Londres, Berlim, Budapeste, em Roma
ou Pequim, quase casado com a Rachel McAdams e ainda estar insatisfeito.
Jesse e Céline (Ethan Hawke e Julie Delpy) ou "o melhor casal da
história do cinema", em “Antes da Meia-Noite”, percebem que a realidade,
mesmo que dura, é melhor do que o mais improvável sonho de verão.
Imagine você que Viena, Paris, Nova Iorque e Atenas não foram o
bastante. A inspiração está em um táxi, em passeio durante a tarde, em
uma mesinha de bar, na própria relação, nos seus filhos, em uma música
ou em um filme de Woody Allen num sábado qualquer.
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terça-feira, 25 de agosto de 2020
segunda-feira, 27 de abril de 2015
Espaço do Leitor - Qual o Filme de Sua Vida?
Hoje, no Espaço do Leitor, quem participa é a super talentosa e querida repórter do Jornal A Hora, Tammy Moraes. A Tammy, além de escrever matérias incríveis no veículo em que trabalha, também é cinéfila de carteirinha - assim como a gente.
E a escolha de filme não poderia ser mais peculiar: o cultuado e complexo Waking Life, do diretor Richard Linklater, responsável por outras obras bem conhecidas e diversas, tanto em tema quanto estilo, como Boyhood e Escola de Rock.
"Uau, como é difícil falar de um filme só! Confesso que essa escolha é completamente baseada no momento em que estou passando agora. O nome Linklater foi bastante falado nos últimos meses por conta de Boyhood. Porém, antes do resultado desses 12 anos de gravações, veio Waking Life. Para mim, essa é a obra prima do diretor. O filme divide opiniões. Muitos o acharam um tanto difícil de acompanhar, pois não segue uma história contínua, e sim várias cenas “aleatórias” de pessoas conversando, filosofando e contando histórias sobre os mais variados temas. Apesar de usar atores reais, é como uma animação, tudo para dar a sensação de sonho. Fala muito sobre a forma que assumimos enquanto dormimos, e como a separamos de quem somos enquanto estamos na vida “desperta”. É uma viagem do começo ao fim, que rende muita reflexão."
Então, não deixem de conferir essa e outras dicas aqui no Picanha.
E continuem participando do nosso Espaço do Leitor. Uma boa semana a todos!
E a escolha de filme não poderia ser mais peculiar: o cultuado e complexo Waking Life, do diretor Richard Linklater, responsável por outras obras bem conhecidas e diversas, tanto em tema quanto estilo, como Boyhood e Escola de Rock.
"Uau, como é difícil falar de um filme só! Confesso que essa escolha é completamente baseada no momento em que estou passando agora. O nome Linklater foi bastante falado nos últimos meses por conta de Boyhood. Porém, antes do resultado desses 12 anos de gravações, veio Waking Life. Para mim, essa é a obra prima do diretor. O filme divide opiniões. Muitos o acharam um tanto difícil de acompanhar, pois não segue uma história contínua, e sim várias cenas “aleatórias” de pessoas conversando, filosofando e contando histórias sobre os mais variados temas. Apesar de usar atores reais, é como uma animação, tudo para dar a sensação de sonho. Fala muito sobre a forma que assumimos enquanto dormimos, e como a separamos de quem somos enquanto estamos na vida “desperta”. É uma viagem do começo ao fim, que rende muita reflexão."
Então, não deixem de conferir essa e outras dicas aqui no Picanha.
E continuem participando do nosso Espaço do Leitor. Uma boa semana a todos!
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