De: Wes Anderson. Com Benicio Del Toro, Mia Threapleton, Michael Cera, Riz Ahmed e Tom Hanks. Comédia / Drama, EUA / Alemanha, 2025, 101 minutos.
Quem acompanha a carreira do Wes Anderson sabe que, meio que sempre, o seu cinema terá as mesmas características. Aliás, poucas vezes será tão fácil encontrar uma assinatura tão particular em filmes, como no caso do realizador - com sua paleta de cores invariavelmente vibrante, simetria geometricamente organizada, travellings hotizontais que nos levam de um personagem à outro e uma certa teatralidade no todo. Bom, e pra que o troço não se torne cansativo demais, repetitivo demais - aquela coisa da estética pela estética, sem um propósito mais claro -, restam, claro, as boas histórias. E se não é sempre que o diretor acerta, como no caso do recente Asteroid City (2023), com O Esquema Fenício (The Phoenician Scheme) é possível afirmar que temos um grande filme. Tragicômico na medida certa e com aqueles personagens adoráveis e imperfeitos, em suas famílias disfuncionais.
Aqui, a comédia bobagenta e irônica tem como pano de fundo uma trama de espionagem, que envolve o industriário Anatole Zsa-Zsa Korda (Benicio Del Toro), um traficante de armas que pretende ampliar o seu império, mas que se vê em maus lençois quando o Governo, em uma manobra pra tentar conter as ambições do megaempresário, aumenta artificialmente os tributos de materiais utilizados na construção. O caso é que Korda é um trambiqueiro de marca maior e os agentes do Estado estão, de toda a forma, tentando barrá-lo. Aliás, na primeira sequência do filme, o sujeito escapa da morte após uma explosão em um de seus aviões - em uma tentativa de sabotagem. Preocupado com os rumos de seus negócios, o protagonista se (re)aproxima de sua única filha, a noviça Liesl (Mia Threapleton). A ideia é fazer com que ela abandone a Igreja e siga o projeto de expansão com a construção de uma série de projetos de engenharia.
Ao mesmo tempo, desesperado pelo aumento do preço de parafusos e roldanas, Korda empenhará uma complexa jornada pelo deserto, na intenção de visitar cada uma das obras - de túneis, hidrelétricas e vias fluviais -, na intenção de tentar diluir as futuras dívidas entre outros investidores. E, bom, não será preciso ser nenhum adivinho para perceber como esse microcosmo, em alguma medida, reflete justamente o macro, com suas ambições políticas, mesquinharias e práticas nem sempre éticas - o que pode ser percebido pela diversidade de sujeitos extravagantes que ele encontra pelo caminho, casos do príncipe fenício Farouk (Riz Ahmed), o investidor Leland (Tom Hanks), o revolucionário comunista Sergio (Richard Ayoade) e o gângster dono de uma boate Marseille Bob (Mathieu Amalric). Todos surgindo como motivos para uma série de piadas que quase parecem saídas de algum programa de humor dos anos 90.
Em uma delas, Korda é instigado a decidir o futuro das taxas (com suas fraudes e chantagens) em uma partida de basquete com Farouk e Leland e mais o desconfiado irmão e parceiro de negócios deste último, o mal-humorado Reagan (Bryan Cranston) - e talvez não sejam por acaso esses nomes de personagens, que aludem a figuras reais ou fictícias de um passado não tão distante (aliás, a trama se passa nos anos 50). Como se não bastassem as "duras" negociações de Korda, ele ainda precisa lidar com uma série de problemas familiares. Há os mal tratados filhos adotivos e um possível caso de adultériio, que envolveria o próprio irmão Nubar (Benedict Cumberbatch), que o teria traído com sua própria esposa, o que o teria levado, talvez, a assassina-la. O que gera uma desconfiança permanente em Liesl.
Com piadas que aludem a clássicos como Dr. Fantástico (1964) - em certa negociação, os envolvidos trocam armas de guerra, como bombas e granadas, como se fossem meros objetos domésticos -, e instantes que dobram a aposta na bizarrice da violência moderna, como no momento em que Maresille Bob ameaça se explodir em um atentado, caso as partes não concordem sobre as questões orçamentárias, esta é aquela obra que condensa suas críticas a toda a estrutura do capitalismo, com suas ambições, truculência e individualismo atroz. Repleto de grandes estrelas - ainda há os não citadas Scarlett Johansson (como a prima Hilda), Michael Cera (o tutor de Liesl), Rupert Friend (o agente do Governo Excalibur, que está empenhado em destruir o império de Korda) e, como não poderia deixar de ser, Bill Murray (que encarna, óbvio, Deus), esse é aquele projeto que diverte para além do aparato estético. Há alguma substância aqui. Em um conjunto que faz valer a pena.
Nota: 8,0