De: Virginie Sauveur. Com Karin Viard, François Berléand, Annie Mercier e Nicolas Cazalé. Drama, França, 2023, 98 minutos.
"Ela não injetou hormônios para ser homem. Ela o fez para ser padre!" Assim como ocorreu no recente e ótimo Conclave (2024), Disfarce Divino (Magnificat) é mais um daqueles filmes a discutir os papeis de gênero na Igreja Católica. Mais precisamente no que diz respeito à ocupação de cargos de sacerdócio pelas mulheres - e de como isso pode parecer uma política bastante atrasada em tempos em que a sociedade, assim se espera, evolui. Na primeira cena do filme de Virginie Sauveur - que foi exibido no Festival Varilux e que agora está disponível na plataforma Amazon Prime -, a chanceler da diocese Charlotte (Karin Viard) recebe uma ligação, após a morte de um padre da paróquia local - seu nome é Pascal. Tudo parece ok, ele estava doente, só que, durante os procedimentos que encaminhariam o falecido para a cremação, vem a revelação bombástica: o padre, na realidade era uma mulher. Com genitália feminina. Seios. Escondidos. Por toda uma existência.
A situação, curiosa por natureza, deixa todos exasperados. E, na realidade, preocupados - especialmente com o risco desta verdade vir à tona, o que poderia ser um escândalo para a Igreja Católica. Sim, tudo poderia ficar meio que por baixo dos panos, mas o caso é que Charlotte fica realmente intrigada com o caso. Como é possível que, durante uma vida inteira, uma mulher tenha vestido a batina sem que ninguém ao redor soubesse? Pelo simples amor à sua vocação? É a partir disso que a protagonista inicia uma investigação bastante particular, que lhe levará à juventude do padre - que não apenas faria uma transição que lhe conferiria uma aparência mais masculina (com barba e tudo), mas que envolveria ainda uma troca de identidade. Uma troca de identidade com uma outra jovem - taco a taco -, que serviria para superar o ambiente conservador, de intolerância e de preconceito que povoa os bastidores da religião.
Em linhas gerais esse é um filme interessante, que reserva algumas surpresas que vão se descortinando aos poucos. No cerne está o atraso da Igreja para essas questões - e não são poucas as sequências de diáconos e arcebispos discutindo os rumos do catolicismo em meio à pautas progressistas e disputas políticas (e, admito, que a obra poderia ser ainda melhor se investisse mais nesses bastidores). Quando sai para sua jornada em busca do que teria acontecido, Charlotte vai ao setor de assistência social local, após o agente funerário ser chantageado para que o caso não chegue à público. Lá, a protagonista descobre que Pascal era um filho de mãe desconhecida que, aos cinco anos vai parar em um seminário no final dos anos 60. E é meio que lá que ele/ela recebe o chamado de Deus. Claro que nada será tão simples e há mais pessoas envolvidas.
Uma delas é a mãe adotiva de Pascal, Agathe (Annie Mercier), que lhe mostra uma foto da juventude do menino. Dando a entender que a responsável pelo registro possa lhe auxiliar de alguma maneira. DE lá para cá, Charlotte encontra outros irmãos do falecido, enquanto lida com as suas próprias angústias - especialmente aquelas que dizem respeito ao seu filho adolescente de 15 anos. Que também cresce sem o pai por perto, em um caso envolto em segredos obscuros e traumas do passado. Ao cabo, a obra marca seu ponto sem forçar a mão, trazendo a discussão de forma sofisticada, sutil e sem dificuldade para ser digerida. "Ele era um pacifista, uma figura gentil e discreta, um padre amado por todos", lembra o monsenhor Mével (François Bérleand), que contribuiu para que o segredo fosse mantido. "Eu teria coragem de expulsar essa mulher quanto ele tinha encontrado refúgio na fé?". É a pergunta que fica em um filme que trata o tema de forma adulta e, como cereja do bolo, sem ignorar o papel da ciência na equação.
Nota: 7,5
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