terça-feira, 14 de agosto de 2018

Cinema - Você Nunca Esteve Realmente Aqui (You Were Never Really Here)

De: Lynne Ramsey. Com Joaquim Phoenix, Ekaterina Samsonov, Alex Manette e Alessandro Nivola. Suspense / Drama, EUA / Reino Unido / França, 2018, 90 minutos.

Interessante notar como Você Nunca Esteve Realmente Aqui (You Were Never Really Here) não é apenas um belo exemplar de gênero - no caso um drama de temática forte, com boas doses de suspense - mas também um excelente exercício de estilo. O filme da diretora Lynne Ramsey (de Precisamos Falar Sobre o Kevin) já começa com uma série de imagens em close  - de mãos, de objetos sendo manipulados e limpos e que, inicialmente, apenas despertarão a nossa curiosidade. Uma trilha sonora cheia de notas caóticas, difusas (cortesia de Jonny Greenwood, do Radiohead). Um flashback esmaecido em que uma criança parece sofrer com algum tipo de violência - talvez de um algum parente opressor. Todo esse preâmbulo servirá para que se instale uma sensação de desconforto, quase uma espécie de claustrofobia por aquilo que ainda não sabemos, que não conhecemos, mas que, aos poucos, a cada nova sequência homeopaticamente descortinada, se tornará mais claro.

Muito menos interessado em escancarar gratuitamente em nossas caras a violência que parece o tempo todo estar nas entrelinhas, o roteiro opta, assim, por uma visão mais oblíqua - e nem por isso menos intensa - das ações do protagonista Joe (Joaquin Phoenix, em mais uma de suas impressionantes caracterizações). Joe é um veterano de guerra que, no submundo, se ocupa de resgatar adolescentes mantidas em cativeiros como escravas sexuais. Um "trabalho" duro, dificilmente satisfatório, que faz com que Joe trafegue pela cidade como uma espécie de fantasma passivo que convive com os seus demônios - e também com os de outras pessoas. Em certo dia, ele é solicitado para resgatar a filha de um senador que, de acordo com uma mensagem de texto, estaria presa em um bordel. A ação da errado quando o congressista se suicida e Joe se dá conta de que há algo a mais por trás desse simples "resgate".



Sim, há segredos envolvendo o passado de algumas das personagens que farão com que Joe seja confundido com um dos raptores, sendo a única saída possível a de fazer justiça com as próprias mãos. A trama é intrincada e desperta dúvidas a respeito da natureza das ações daqueles que vemos em cena. Joe teria sofrido uma emboscada? A rede de pedofilia envolveria pessoas próximas das famílias das vítimas? Qual o papel da polícia em meio a isso tudo? Enquanto tenta se livrar de qualquer tipo de acusação, Joe trafega furtivamente pela cidade deixando um rastro de sangue por onde passa. Sim, haverá perdas pelo caminho e ninguém estará livre da violência quando esta bater a porta, mas com o firme propósito de resgatar Nina (Ekaterina Samsonov) do que "quer que seja", Joe seguirá em sua dura jornada.

Como já está se tornando quase uma convenção nas interpretações de Phoenix, ele transforma Joe em uma figura ambígua que é, na mesma medida, um assassino e um justiceiro. E mesmo que a sua personalidade complexa não se sobressaia por seus atos - quase sempre contidos - o olhar triste e eventualmente "perdido" de quem convive com feridas que dificilmente serão curadas, transformam a personagem em alguém que parece sempre no limite. E se a composição de Phoenix é formidável por isso, também não ficam atrás a fotografia (quase sempre amarelada, quente, sufocante) e o desenho de produção que, de quebra, ainda faz uma brincadeira criativa com a cor verde (que, no fim das contas, sempre estará relacionada a esperança). Com ótima trilha sonora - a escolha de Angel Baby do grupo Rosie and The Originals para os momentos mais tensos, não poderia ser mais incômoda - a película ainda deixa o final em aberto, especialmente após reconhecer o fato de que, tanto o anti-herói Joe quanto a sua agora protegida Nina têm mais em comum do que imaginam.

Nota: 8,3

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