quarta-feira, 23 de novembro de 2016

Cinema - A Garota do Trem (The Girl On The Train)

De: Tate Taylor. Com Emily Blunt, Rebecca Ferguson, Haley Bennett, Justin Theroux e Édgar Ramirez. Drama / Suspense, EUA, 2016, 113 minutos.

Ainda que demore um pouco a engrenar, especialmente em sua primeira meia hora, A Garota do Trem (The Gilr On The Train) é um bom filme. Tem um roteiro intrigante, alguma dose de suspense e um tanto de drama. Este último principalmente nos primeiros minutos, quando a protagonista Rachel (Blunt), é apresentada. Rachel está devastada pelo fato de seu relacionamento ter fracassado. E parece ter incrível dificuldade para superar a perda, já que ela reflete (literalmente) sobre isso nas 24 horas de seu dia. Num misto de voyeurismo e autocomiseração, ela passa os dias indo e vindo dentro de um trem, de onde pode enxergar a nova vida de seu ex, agora um sujeito feliz, ao lado de sua nova esposa, Anna (Ferguson), com quem tem um filho. Num estilo meio Janela Indiscreta dos vagões, ela aproveita pra assistir também a vida feliz, de propaganda de margarina, de um outro casal de vizinhos, que mora duas quadras ao lado de sua antiga residência.

Com a protagonista abusando da expressão triste o tempo todo, admito que o começo do filme foi um tanto desconfortável. Muito por perceber Rachel como uma mulher exclusivamente dependente de um homem para ser feliz - e se, de fato, isso se consolidasse durante a película, esta seria nada menos do que lamentável no conjunto geral, por ainda acreditar na felicidade de uma jovem apenas estando ao lado do amado (ou de um homem qualquer). Mas não é o que ocorre e, pra sorte, o filme tem mais nuances (ou camadas), que vão se revelando aos poucos, conforme as histórias de todos se cruzam. A vizinha que Rachel observa diariamente do trem, é diarista de Anna e Tom (Theroux), seu ex. Seu nome é Megan (Bennett) e ela parece esconder segredos que, entre uma visita e outra a seu psiquiatra (Ramirez), vão se apresentar como elementos centrais para a compreensão da narrativa. Aliás, a própria Rachel tem os seus segredos.


Em um dia de bebedeira - e Rachel tem sérios problemas com alcoolismo, conforme perceberemos - ela tem a impressão de ver Megan perto da estação de trem em que ela desce, caminhando até ela para confrontá-la, após ter visto aquilo que ela acredita ser uma traição. Por meio de uma edição ágil, com cortes rápidos e secos, o cenário muda, com Rachel acordando seriamente machucada no rosto, recebendo, após, a trágica notícia de que Megan está misteriosamente desaparecida. Revelar mais do que isso - e penso que talvez já tenha dito demaaaaaais (desculpa o eventual spoiler, povo) - seria estregar uma trama que será recheada de idas e vindas, plots twists interessantes (ainda que, eventualmente, previsíveis) e mudanças de perspectivas, que serão organizadas de maneira inteligente pelo diretor Tate Taylor (do piegas Histórias Cruzadas), que mantém a dúvida sobre o que de fato terá acontecido naquela noite até os instantes finais da película.

Ainda assim, se para os mais exigentes o filme não chega a ser um primor no que diz respeito a sua história - talvez um pouco óbvia -, ao menos pode-se dizer que ele é conduzido de maneira eficiente, com bom uso de técnicas cinematográficas e riqueza de elementos. E este é um caso de obra que, com uma boa direção de fotografia - no caso de Charlotte Bruus Christensen -, é possível ter maior ou menor envolvimento com aquilo que se vê. E se a vida de Rachel é sempre acinzentada e escurecida, seja no trem, no bar, ou nas conversas caseiras com a amiga Cathy (sempre uma delícia assistir a qualquer coisa com a Laura Prepon), é possível perceber como o casamento de Anna, feliz ao lado de Tom, possui cores quentes e amareladas. Isso até o momento em que Rachel "invade" a vida de Anna, em uma das tantas cenas comoventes da película, modificando o cenário ao redor e inundando o mundo com sua melancolia.


Ainda que, aqui e ali, o filme opte por julgar (lamentavelmente) seus personagens - como na cena em que uma mulher muda de lugar, no trem, ao perceber a presença de garrafas de bebida alcoólica na bolsa de Rachel (ela adivinhou que ela era alcoólatra? E, se ela for, não continua sendo uma pessoa?) -, a grande força da película parece, de fato, residir em suas protagonistas - e, nesse sentido, adorei ser "enganado" pelo filme, que parecia ser uma coisa e era bem outra (ainda mais por não ter lido o livro de Paula Hawkins, no qual se baseia). Blunt exagera, mas entrega uma performance visceral e convincente como a protagonista - e em alguns fóruns não se descarta até indicação ao Oscar. Já Bennett transforma Megan em uma figura enigmática e imprevisível, com Ferguson completando o trio no papel de uma mãe dedicada e preocupada. Além de Prepon, as ótimas Lisa Kudrow (Friends) e Allison Janney (Mom), possuem papéis menores e de destaque na obra, que, no fim das contas, é toda das mulheres. O que, por si só, já faz merecer um ponto a mais na nota.

Nota: 7,7

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