sexta-feira, 7 de maio de 2021

Cine Baú - Norma Rae (Norma Rae)

De: Martin Ritt. Com Sally Field, Ron Leibman, Beau Bridges e Barbara Baxley. Drama, EUA, 1979, 110 minutos.

"O trabalho deve ser um trabalho. E não uma sentença de prisão". Norma Rae (Norma Rae) já passa da metade quando essa frase é dita por alguém, em meio à uma reunião de um embrionário sindicato de trabalhadores da indústria da tecelagem, em alguma cidade do Sul dos Estados Unidos. Baseada em fatos reais, a história volta ao final dos anos 70 - período marcado por turbulentas discussões políticas e sociais -, para nos apresentar à Norma Rae do título (vivida com entusiasmo por Sally Field), uma jovem operária que se junta a um sindicalista itinerante (Ron Leibman) na luta por melhores condições de trabalho. Cargas horárias exaustivas, maus tratos, excesso de barulho, sensação de aprisionamento, impossibilidade de se sentar durante as jornadas... os problemas relatados pelos empregados são vários. Mas a complexidade do assunto e a dificuldade de abordá-lo em uma região absolutamente conservadora, torna tudo complicando, ao passo que dá vigor à jornada daqueles que acompanhamos. É difícil não torcer por Norma e Reuben.

Por sinal, o filme já começa de forma acachapante. Enquanto assistimos cenas penosas do funcionamento da indústria - a opressão está nos detalhes, no maquinário monstruoso, na sensação de claustrofobia, na frieza e na melancolia das cores -, a trilha sonora nos entrega à graça do clássico It Goes Like Goes, de Jennifer Warnes, que venceria o Oscar na categoria Canção Original. O som real das estruturas metálicas, dos equipamentos, aquele som caótico que a gente sabe que existe nesse universo, demora um pouco pra aparecer. E quando surge nos assombra, assusta. Há uma troca quase instantânea da leveza musical para a entropia de roldanas, molas, alavancas, engenhocas. E isso nos perturba já de saída, assim como nos incomoda o fato de que a mãe de Norma, também operária da indústria, pode estar perdendo a audição por causa do barulho excessivo. Equipamento de proteção? Que nada. O negócio é produtividade e dela os empregadores não abrem mão.

Só que por mais que tudo isso incomode Norma - e por mais que ela efetivamente pareça uma mulher à frente de seu tempo (uma feminista sem plena consciência disso) -, o seu "despertar" é meio lento, levemente desconfiado. Quando Reuben surge em frente à indústria convocando os operários para reuniões que poderão formalizar um sindicato que lute por eles, sem comprometer os seus empregos, Norma o assiste com certo distanciamento, reflexiva. Aliás, chega a debochar do fato de Reuben ser judeu, em um de seus primeiros encontros meio fortuitos. Mas conforme vai se aproximando daquele sujeito arejado, inteligente, disposto a uma luta que nem precisaria ser dele, a protagonista passa a compreender as suas motivações. Mais do que isso, a importância daquele tipo de debate. Seus pais já ao final da vida sequer conseguem se aposentar decentemente, e com dignidade. Pior, a família já está na quarta geração de operariado em uma indústria que lhes suga muito para devolver pouco. O caminho para resolver isso? Muita conversa, panfleto, conversa, reunião e mais um pouco de panfleto, na ideia de elaborar uma política que comprometa os industriários a fornecerem salários mais justos, jornadas menos pesadas e melhores condições gerais na "firma".

Olhando hoje em perspectiva, o filme talvez possa soar até um pouco datado, dado o sem fim de obras que discutem relações de trabalho e de questões envolvendo patrões e empregados. Mas nos anos 70, fora do circuito europeu, uma figura imponente como a de Norma - com seus dois filhos de pais separados (o que denota sua liberdade sexual), com disposição para colocar seu emprego em risco por uma causa maior -, era quase uma novidade. Sim, a película de Ritt abusa aqui e ali de sequências que hoje se tornaram famosas pela alcunha de Oscar bait - caso daquela em que Norma sobe em uma mesa dentro da indústria para protestar, portando um cartaz escrito Union, que faz com que todos desliguem suas máquinas -, mas que continuam eficientes em suas mensagens. Aliás, se até hoje existem pessoas dispostas a RETIRAR direitos de trabalhadores, nunca é demais lembrar que alguns discursos, por mais óbvios que pareçam, devem ser escancarados para que, efetivamente, não haja dúvidas sobre aquilo a que se propõem. Aliás, Norma é taxada de comunista em certa altura da projeção. É praticamente expulsa da diocese local. Seus vizinhos, marido, família, todos a olham com desconfiança. Semelhança com os dias de hoje? Muitas. Mas o resultado final compensa - e provavelmente não teríamos tantos direitos trabalhistas se não fossem as Normas que se espalham pelo mundo. O Oscar foi merecido para Sally Field. Sua entrega comove. E o filme, exibido à exaustão na antiga Sessão de Gala, segue valendo.

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