segunda-feira, 22 de janeiro de 2018

Tesouros Cinéfilos - Feitiço do Tempo (Groundhog Day)

De: Harold Ramis. Com Bill Murray, Andie MacDowell, Chris Elliott e Stephen Tobolowsky. Comédia / Fantasia, EUA, 1993, 101 minutos.

Não bastasse ser uma das comédias mais divertidas da história, Feitiço do Tempo (Groundhog Day), ainda é uma obra cheia de possibilidades, de metáforas e de intenções por trás de seu roteiro absolutamente inovador, ainda que leve e gracioso. Na trama, Bill Murray é Phil, sujeito esnobe, presunçoso e egocêntrico que atua como "homem do tempo" em uma emissora de tevê. Escalado para cobrir o Dia da Marmota - que determinará a duração do inverno em uma pequena cidade da Pensilvânia -, ele acaba preso em uma espécie de loop temporal, que faz com que ele reviva o mesmo dia, repetidamente. Só que ele é a única pessoa presa na tal armadilha que tem consciência disso, já que a produtora Rita (Andie MacDowell) e o cinegrafista Larry (Chris Elliot) vivem cada dia como se este fosse o da cobertura televisiva para o qual todos foram escalados. O mesmo valendo para os habitantes de Punxutawney (a cidadezinha em questão).

Intrigado com o que está acontecendo Phil procura, inicialmente, tirar vantagem da situação, o que envolve mulheres sendo seduzidas - já que ele pode descobrir detalhes sobre as suas vidas, o contribuirá para a efetivação da conquista -, pequenos furtos e a adoção de uma vida desregrada no que diz respeito à comida, a bebida e ao respeito às leis. Só que, com o passar do tempo, a repetição de tudo sem nenhuma explicação faz com que o desespero aumente, com o sujeito tentando o suicídio diversas vezes, sem sucesso. (o que resulta em algumas das sequências mais engraçadas da película, já que cada tentativa de acabar com a própria vida, faz com que ele retorne para o mesmo lugar, no mesmo pequeno hotelzinho, com o despertador tocando às 6h da manhã, ao som de Sonny e Cher cantando o inesquecível hit I'Ve Got You Babe).



Mas como o velho ditado diz que "se não pode vencê-los, junte-se a eles", Phil resolve encarar essa temporada em uma realidade paralela para se tornar um sujeito melhor, o que envolve aulas de piano, de francês e de escultura em blocos de gelo e muita gentileza para com os moradores locais - e, nesse sentido, vale a pena ver a mudança de comportamento progressiva a cada encontro com o irritante corretor de seguros Ned (o hilário Stephen Tobolowsky), com direito até mesmo a abraço fraterno. O mesmo valendo para o prefeito do lugar, que tem sua vida salva após se engasgar com um pedaço de carne em um restaurante. Nesse sentido, é somente quando Phil "evolui" como pessoa, se tornando um sujeito mais gentil, cordial e agradável - o que culmina na conquista de Rita - que ele consegue avançar, transformando a sua existência repetitivamente miserável em um novo dia de fato.

A metáfora sobre a importância de preencher cada dia de nossas vidas com experiências positivas talvez possa até parecer meio óbvia, mas o caso é que ela nunca foi inserida de maneira tão inteligente, engraçada e charmosa em uma película, como nesse verdadeiro Tesouro Cinéfilo. Se os dias de Phil como um sujeito amargurado e antipático eram sempre iguais, monótonos e sem vida, é somente quando ele dá um verniz de novidade para cada um deles - fruto de sua iniciativa pessoal, de sua vontade, ânimo, enfim - que a redenção ocorre. E, é preciso que se diga, a cereja do bolo fica para a noite com Rita (e Andie Macdowell está magnética na pele da personagem), uma vez que, todos sabemos, um novo amor sempre preencherá nossa existência com novos matizes, nos deixando eufóricos, felizes e prontos para encarar cada dia como se este fosse único.


Prestes a completar 25 anos, Feitiço do Tempo permanece até hoje na memória (e nos corações) dos cinéfilos, seja pela sua edição ágil, pelas interpretações cheias de competência, pelas gags hilárias ou pelo roteiro totalmente original de Danny Rubin e Harold Ramis - que sequer foram indicados para a categoria na cerimônia do Oscar daquele ano, em uma das maiores injustiças da história. A propósito, assim como já ocorreu com outros filmes, a fama dessa pequena obra-prima foi aumentando com o passar do tempo, com o filme recebendo o status de cult - e figurando na quarta colocação entre as 100 Melhores Comédias de Todos os Tempos, de acordo com a BBC. O próprio crítico Roger Ebert, que na época do lançamento da película lhe deu como nota três estrelas (de cinco possíveis), se viu obrigado a, anos depois, se retratar atribuindo a obra uma "genialidade que não pode ser imediatamente perceptível". Não é pouco.

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