quinta-feira, 5 de junho de 2025

Novidades em Streaming - Uma Viagem ao Desconhecido (The Unknown Country)

De: Morrisa Maltz. Com Lily Gladstone, Raymond Lee e Lainey Bearkiller Shangreaux. Drama, EUA, 2023, 85 minutos.

Mais do que nunca um filme que faz um apelo ao íntimo. À força insuperável dos pequenos vínculos. Das grandes histórias que movem pessoas simples. Do acaso que se converte em mágico. Da potência existente na vida em comunidade. Sim, o mundo caminha a passos largos para o colapso ambiental, para o avanço de uma extrema direita cada vez mais radical, para o o uso inadequado da tecnologia, para as guerras sem fim e para crises políticas e sociais decorrentes do capitalismo tardio. E onde a gente encontra conforto? Onde a gente se aconchega pra tentar fugir disso tudo? Bom, talvez o caminho seja aqueles que amamos. Que nos permitem abrir espaço para o extraordinário no cotidiano. Na rotina. Na repetição. E que um filme tão pequeno como esse Uma Viagem ao Desconhecido (The Unknown Country) seja capaz de evocar todos esses sentimentos, é um feito.

Em linhas gerais esse é um road movie existencialista, que mescla vida real com narrativa roteirizada, não para um exame profundo e generalista da vida no meio oeste americano, mas sim para um olhar mais próximo de quem, de fato, está ali no dia a dia. Com mais atenção. Ou afeto. Quando sai de Minnesota em uma viagem solitária e introspectiva em seu veículo, ainda não temos a noção exata de qual é o objetivo de Tana (Lily Gladstone, indicada do Oscar pelo ótimo Assassinos da Lua das Flores, 2023). Em sua companhia, o coração dos Estados Unidos nos é apresentado como um ambiente frio, rochoso, inóspito, de vida meio impossível. Luto? Perda? Memória? A intenção de Tana - que, assim como muitos outros da região é uma nativa americana -, é a de chegar ao Texas, para refazer o trajeto que sua avó falecida teria feito no passado. No caminho? Pessoas. Vivências.


 

 

Em uma das primeiras paradas, Tana é recebida em uma daquelas lanchonetes de beira de estrada imersas no nada, que costumamos ver em filmes que se passam em espaços geográficos do tipo. No local, a narração em off nos conta um pouco mais sobre a proprietária, uma senhora solitária que tem como projeto de vida a adoção de gatos. São dezenove no total, em sua casa. A senhora dos gatos. Um estereótipo mais do que óbvio. E totalmente afetuoso. Em outra parada, o gerente de um outro estabelecimento fala como ele tinha deixado de acreditar no amor, até... acreditar de novo. E se apaixonar. E casar. Aliás, em algum ponto da Dakota do Sul, Tana faz uma parada justamente para prestigiar um casamento - de um primo, interpretado por Lainey Bearkiller Shangreaux, que também produz a obra. Com toda a pompa e tradição dos nativos americanos. 

Parte da crítica tem comparado o espírito contemplativo da obra da diretora estreante Morrisa Maltz, com o estilo de veteranos como Terrence Mallick ou com obras de calibragem mais reservada, como Nomadland (2020), de Chloe Zhao. E acho que é mais ou menos por aí. Para o espectador acostumado a grandes acontecimentos, talvez uma produção do tipo possa ser meio frustrante. Não há alguma redenção ecumênica. Uma culpa a ser expiada. Ou a manutenção de grandes esperanças em um contexto de desespero. Há sim esse apelo de emoção discreta - de olhares longos (reforçados pelo rosto expressivo de Gladstone) e de silêncios que dizem muito. De solidão que pode ser preenchida onde menos se espera, como revela o terço final. Talvez caiba a nós abrir o coração para que a primavera possa enfim, entrar. Para que o sol apareça e suplante o frio. O nosso esforço talvez faça isso. Não se trata de ignorar o passado ou simplesmente temer o futuro. O que vale é viver. O agora.  

Nota: 8,0

 

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