De: Andrea Arnold. Com Nykiya Adams, Barry Keoghan, Franz Rogowski, Jason Buda e Frankie Box. Drama, Reino Unido / EUA / França / Alemanha, 2024, 118 minutos.
"É bonito né? O quê? O dia." Talvez a mensagem geral de Bird, mais novo filme de Andrea Arnold e que está disponível na Mubi, seja mais simples do que a narrativa sugere, vamos combinar. No centro da jornada da protagonista - a adolescente Bailey (Nykiya Adams) - parece estar aquela típica história de amadurecimento, com todos os elementos do cinema alternativo de gênero: família disfuncional, pobreza, violência no entorno, falta de perspectivas ou mesmo diálogos impossíveis. Uma infelicidade geral que consome - e que é reforçada pelo aparato técnico, que vai da fotografia dessaturada, passando pelos elementos cênicos caóticos, até chegar à trilha sonora impecável. Só que quanto mais esse filme lindo avança, mais a gente percebe que a luta por uma vida melhor está em reconhecer as próprias limitações. Tentando superá-las naquilo que está ao alcance. Mas também abraçando meio que essa "geografia".
Já na primeira sequência da obra, temos Bailey na carona da scooter elétrica do pai, Bug (e ninguém melhor do que Barry Keoghan pra interpretar um trambiqueiro tatuado) que, mais adiante, anunciará o controverso noivado com a jovem Kayleigh (Frankie Box). Como se a vida já não fosse uma coleção de aparentes desastres, Bug quer que Bailey esteja bonita em um vestido de gosto duvidoso, para a cerimônia que ocorre no próximo sábado. Só que, por mais que Bug pareça se esforçar para amar a filha, assim como se dedica ao meio irmão Hunter (Jason Buda), as condições financeiras parecem bastante limitadas. A ponto de o sujeito capturar um sapo que ele acredita ser capaz de expelir uma substância de grande valor, que possibilitará uma reviravolta em termos de grana pra todos ali. Aliás, o tipo de situação meio mágica e sensorial, de crença meio que no abstrato e no poder simbólico que, em muitos casos, percorre o cinema de Arnold.
E talvez não seja por acaso que Bird (o sempre ótimo Franz Rogowski) se apresente justamente como essa figura enigmática - um sujeito misterioso que parece guardar segredos do passado (especialmente em relação à sua família, que teria lhe abandonado ainda criança). Bailey conhece Bird após um episódio envolvendo Hunter, que integra uma milícia juvenil, dedicada a fazer justiça com as próprias mãos. Após uma ação que não dá muito certo envolvendo o grupo, Bailey precisa fugir da polícia, indo parar num descampado. Ela dorme no local. E amanhece nesse espaço idílico, meio isolado de tudo, com cavalos em volta, o vento soprando de forma misteriosa, dobrando as gramíneas. E Bird se aproximando como um esquisitão saído de uma obra de realismo fantástico. Dançando de forma torta. E elogiando a beleza da vida. É dele, aliás, a frase que abre essa resenha. A estranheza inicial dará início à uma amizade. Com Bailey empenhada em descobrir o paradeiro dos pais do novo amigo.
Sim, pode ser difícil encontrar beleza onde não parece haver, mas o caso é que família só muda de endereço. As decisões de Bug podem não ser as melhores, mas as intenções são. É ele quem é responsável por cuidar dos filhos e, a seu modo, faz isso. O que envolve, inclusive, incluir a protagonista nessa nova "vida" - e, observe como nem tudo é tão preto no branco, como no instante em que a jovem recorre justamente à Kayleigh, quando a sua primeira menstruação acontece. Entrecortado por uma trilha sonora absolutamente inebriante de nomes como Sleaford Mods, Blur, Coldplay e The Verve (num divertidíssimo apelo à nostalgia, com a música de "velho" tendo papel central nessa construção), o filme não fornece soluções fáceis. E nem opta pela estilização banal da violência, que poderia ser uma saída. Ao cabo há uma vida a viver e fugir pode não ser a melhor solução. Eu, honestamente, não imaginava terminar essa obra às lágrimas. Mas foi o que aconteceu. Há uma mensagem simples e poderosa de amor, de família, de afeto e de esperança em meio à desordem diária. É drama social eficiente, essencialmente humano, e pouco óbvio, que ainda aposta na fantasia e na alegoria como amplificador de ideias mais esperançosas. (Ah, importante: há uma brincadeira sobre uma canção em específico que é ótima! Vocês saberão quando ocorrer.)
Nota: 9,0
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