quarta-feira, 30 de julho de 2025

Novidades em Streaming - Oh, Canadá (Oh, Canada)

De: Paul Schrader. Com Richard Gere, Uma Thurman, Jacob Elordi, Michael Imperioli e Victoria Hill. Drama, EUA, 2024, 91 minutos.

"Quando não há futuro tudo o que resta é o passado. E se o passado é uma mentira, principalmente para as pessoas próximas, você não pode existir, exceto como um personagem fictício". É claramente um enorme peso na consciência aquele que Leonard Fife (Richard Gere), o protagonista de Oh, Canadá (Oh, Canada), carrega. Cheia de sutilezas, essa é uma obra do diretor Paul Schrader que, em alguma medida, repete o tema do arrependimento e de tentativa de reparação de danos - assim como no seu magistral trabalho anterior, o meio que inexplicavelmente esnobado Jardim dos Desejos (2022). Se no filme estrelado por Joel Edgerton temos um nazista empenhado em se redimir em uma vida pacata como floricultor, aqui temos um documentarista diagnosticado com um câncer terminal que resolve, em seus instantes derradeiros, revelar toda a verdade de uma vida dupla repleta de decisões moralmente questionáveis.

Frente aos seus pares, Leo, como era carinhosamente chamado, sempre pareceu aquele sujeito ético, que utilizava a sua arte como veículo de denúncia. Não por acaso, seus potentes filmes políticos ganhariam tração e seriam admirados, especialmente pelo público progressista do Canadá (onde ele se estabeleceu). E não apenas isso: na juventude, teria se rebelado contra o governo estadunidense e não apenas fugido de uma possível convocação para a Guerra do Vietnã, mas também permanecendo uma temporada em Cuba, o que teria contribuído para a sua formação ideológica. Um combo de acontecimentos digno de uma retrospectiva e é mais ou menos isso que dois de seus ex-alunos, Malcolm (Michael Imperioli) e Diana (Victoria Hill) propõem: um documentário sobre a sua irrepreensível existência. Algo que honre seu legado.

 


Só que tem um pequeno problema: muitos dos fatos pelos quais Leo é admirado, talvez não passem de mentiras. Conforme a narrativa se descortina, entenderemos como o protagonista simplesmente abandonou a sua primeira mulher, que estava grávida e com um filho pequeno (que funciona como um narrador improvisado), para, em segredo, tentar seguir o sonho de ser escritor, saindo do Sul conservador para o Norte do País. No caminho, além de roubar dinheiro que seria usado para a compra de uma casa e de jamais ter sequer chegado perto da terra de Fidel Castro, uma trilha enorme de casos extraconjugais, de adultérios e de mulheres seduzidas (inclusive alunas). O primeiro filho, ignorado por 30 anos, jamais seria reconhecido. Egoísta e narcisista, Leo teria vivido apenas para satisfazer seu ego hedonista. Encontrando em seus documentários de temas complexos como os horrores da guerra e do uso do Agente Laranja, ou sobre violência contra animais das regiões polares, o terreno fértil para uma carreira respeitosa e premiada.

Inteligente e levemente ousada, a obra burla os limites entre ficção e realidade, levando o espectador à um cenário de dúvidas sobre aquilo que se assiste. Com uma série de trucagens, Schrader mescla fotografias em preto e branco e flashbacks onde um Leo já veterano aparece, para, aparentemente, ampliar a sensação de desconfiança à respeito da veracidade dos acontecimentos. Emma (Uma Thurman), a atual esposa de Leo, uma mulher muito mais jovem, que também foi sua aluna, suplica para que a produção do filme sobre sua vida pare: "ele está misturando memórias, filmes, fantasias e histórias dos outros", argumenta, enquanto a enfermeira lhe aplica uma dose de fentanil. Essa incerteza entre o concreto e o abstrato, entre verdade e ficção é o que torna a experiência instigante ainda que, talvez, propositalmente confusa, em certos momentos. "Devo parecer um esquizofrênico" divaga em certa altura o protagonista, num autoexame de sua mente perturbada. Para o espectador nunca há certeza. E é nessa ambiguidade que reside a beleza, afinal, ninguém é tão virtuoso o tempo inteiro. Tão perfeito. E nem tão errático.

Nota: 7,0

 

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