quarta-feira, 1 de outubro de 2025

Novidades em Streaming - Terra Silenciosa (Cicha Ziemia)

De: Aga Woszczynska. Com Agnieszka Zulewska, Dobromir Dymecki, Ibrahim Keshk e Marcello Romolo. Drama / Suspense, Itália / República Checa, 2022, 113 minutos.

Na primeira cena de Terra Silenciosa (Cicha Ziemia), um sujeito sofre para abrir uma persiana meio emperrada, que faz um barulho estridente. Uma mulher, que parece ser sua esposa, coloca alguns produtos em uma geladeira, enquanto um zumbido agudo surge incômodo. No instante seguinte, o casal examina um ventilador que não funciona, carece de reparos. A piscina do local está quebrada. Não demora para que percebamos que o casal polonês Anna (Agnieszka Zulewska) e Adam (Dobromir Dymecki) está de férias, em uma ilha paradisíaca da Itália. O sol brilha, a praia luminosa convida. É tudo alvo e caloroso, a dupla parece estar conectada - ao menos é o que indicam as aparências. Mas há um ruído (alegórico ou não), um tipo de desconforto que parece pronto pra emergir não se sabe bem de onde, e que marca essa ótima estreia da diretora Aga Woszczynska, que finalmente chega à Reserva Imovision.

Tal qual o burguês histriônico que reclama de seu quarto de hotel na primeira temporada da sempre imperdível White Lotus (2021), aqui o casal se queixa, de forma mais comedida, por óbvio, com o proprietário da pousada a respeito da inoperância da piscina. "Vocês são meus primeiros clientes da temporada", argumenta o carismático Fabio (Marcelo Romollo), que também é o proprietário da trattoria local. A proposta de compensar os clientes com um lauto prato de massas não convence, o que faz com que o homem garanta: em dois dias a piscina estará consertada. Após uma noite de sexo quente, a tranquilidade de Anna e Adam é quebrada logo cedo da manhã do dia seguinte, quando entra em cena o jovem árabe Rahim (Ibrahim Keshk) - um sujeito de corpo esguio e de pele morena (e suada), que, em um cenário de objetificação, talvez não fizesse feio em um vídeo pornô mais teatralizado -, que, de britadeira em punho, trabalha no reparo.

 


Branco e meio sem graça - inclusive do ponto de vista do senso de humor -, Adam fica claramente desconfortável com a situação. O casal deseja a piscina mas parece não gostar da presença do empregado - que surge ali como a figura "invasiva", estranha, que quebra essa lógica de rotina, de tranquilidade. [SPOILERS A PARTIR DAQUI] Há um incômodo no todo, que só piora quando Rahim sofre um grave acidente - ele tropeça e cai na piscina que, justamente, está sendo enchida. Anna e Adam presenciam o fato. Mas fazem pouco para socorrer o jovem empregado. Que bate a cabeça nos azulejos e... morre. Afogado. Para a polícia local uma ocorrência trágica. Mas talvez rotineira. As câmeras de segurança evidenciam que pode ter havido negligência por parte de Adam, que optou por telefonar pedindo socorro, ao invés de correr para acudir o ferido. "Os turistas são bem-vindos em nossa cidade", comenta o delegado, diante dos depoimentos cheios de ambiguidades.

E aqui talvez esteja a grande sacada dessa produção silenciosa e cheia de sutilezas, que aposta em alegorias e metáforas para discutir xenofobia, crises envolvendo imigrantes, preconceitos de classe e privilégios burgueses. Ninguém ali parece muito disposto a apontar dedos para Anna e Adam. "Ele nem estava legal aqui", argumenta um casal de amigos - um professor de mergulho e sua esposa -, com quem eles fazem amizade no transcorrer da estada. Só que há uma coisa chamada consciência. E tal qual Raskólnikov, o protagonista de Crime e Castigo, de Dostoiévski, o que atormentará inabalavelmente a existência do casal será a culpa, o conflito moral e a crise ética. Como seguir em frente sabendo que, talvez, uma morte pudesse ter sido evitada? Mais: de alguém que integra uma minoria, já tantas vezes vulnerável nesse sistema capitalista em que vivemos? O desfecho simbólico é a cereja do bolo nessa obra que parte do microcosmo, para uma análise minuciosa do todo. Vale muito.

Nota: 8,5 

 

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