De: Kurdwin Ayub. Com Florentina Holzinger, Celina Sarhan, Andria Tayeh e Nagham Abu Baker. Drama, Áustria, 2024, 93 minutos.
Existe uma pequena cena em Moon (Mond) que, fosse esse um outro filme qualquer, e talvez passasse meio batida. Nela, a protagonista Sarah (Florentina Holzinger), uma lutadora de artes marciais aposentada, que leva uma vida sem grandes emoções como professora em uma academia de Viena, na Áustria, ouve atentamente as instruções de seu novo contratante. "O nosso contrato é de confidencialidade. Sem fotos, sem redes sociais. É um procedimento normal, regular, de privacidade, que fazemos com todos os nossos empregados. Espero não ser um inconveniente". Para ela parece ok até porque, pelo visto, ela vai ganhar uma grana boa como personal trainer de três jovens de uma família abastada da Jordânia. Ao menos é o que atestam as ótimas condições em que ela está instalada, em um hotel luxuosíssimo de ampla piscina, que contrasta com o cenário arenoso do País do Oriente Médio.
Tanto na entrevista como na chegada à casa em si, Sarah é recebida pelo afável irmão mais velho das garotas - seu nome é Abdul (Omar Almajali). Nas conversas, a ideia de ensinar as artes marciais para as meninas, por ser algo que está na moda (é trendy), sendo o MMA muito popular na Jordânia. E por mais que os amigos de Sarah tirem uma com a sua cara, especialmente no que diz respeito às diferenças culturais entre os dois países - "você vai usar um hijab?", questiona um deles -, ela jamais imagina estar adentrando um ambiente de absoluta opressão e de patriarcalismo atordoante. As condições de vida são refinadíssimas em uma mansão suntuosa. Mas essa aparência de elegância vai só até ali. Impedidas de sair de casa sem um dos seguranças, as jovens também não podem usar as redes sociais, se relacionar, ir para uma boate dançar. Enfim, viver.
E, no começo, Sarah acha estranho o comportamento reticente e quase infantilizado das jovens durante os treinos. Meia dúzia de movimentos e elas se mostram cansadas, enfastiadas, com pouca vontade. Talvez na cabeça da protagonista, isso seja apenas algo típico da idade. Adolescentes não estão muito a fim dessa ou de qualquer outra programação. Mas os dias parecem evoluir apenas para trás. Quando Sarah resolve investigar por conta própria o que pode estar acontecendo nos cômodos daquela casa - uma decisão complicada, dado o clima silenciosamente beligerante de tudo (sem esquecer da confidencialidade) -, ela faz descobertas surpreendentes. Antes disso, ela se empenha em interagir de outras formas com as meninas, como na excêntrica cena em que Fatima (Celina Sarhan) a utiliza como uma "boneca", penteando seus cabelos grosseiramente. O que gera um pequeno e quase inexplicável conflito, que funciona como uma metáfora estranha pra esse contexto de confinamento.
Sem muita pressa em fortalecer seu ponto, a diretora Kurdwin Ayub converte a experiência em um thriller vagaroso, em que pequenos acontecimentos dizem muito mais do que momentos maiores (por mais que haja um, em específico, bem impactante). Em certo ponto, Nour (Andria Tayeh) furta o celular da professora, sem que ela possa retomá-lo imediatamente. Quando ela obtém o aparelho de volta, ela entende o risco enfrentado pelas meninas. Bem como seu papel quase alegórico de mulher forte - em um esporte de alto grau de intensidade -, para confrontar aquele ambiente misógino, em um País que, por mais que tenha avanços sociais, culturais e políticos, ainda parece delegar às mulheres um papel restrito à vida doméstica. Naturalista e cheia de sutilezas, mas também inquietante e potente, esta é uma obra repleta de significados e de reflexões a respeito de temas como vigilância, liberdade, relações de poder e (des)igualdade entre gêneros. Tá na Mubi e vale espiar.
Nota: 8,0
Nenhum comentário:
Postar um comentário