quarta-feira, 23 de julho de 2025

Cinema - A História de Souleymane (L'histoire de Souleymane)

De: Boris Lojkine. Com Abou Sangare, Nina Meurisse e Mamadou Barry. Drama, França, 2024, 93 minutos.

[ATENÇÃO: ESSE TEXTO TEM SPOILERS] 

"Qual é a sua história? A sua história de verdade?". É quase no momento final de A História de Souleymane (L'histoire de Souleymane), que o protagonista do premiado filme de Boris Lojkine é instigado por uma agente que dá assistência a refugiados para que ele pare de mentir. E seja honesto com aquilo que está passando, está vivendo. E desafio qualquer espectador que assiste a essa pequena joia do cinema alternativo a não se debulhar em lágrimas naquele instante. Segurando o choro - e com a cabeça baixa, claramente envergonhado de tudo (da violência que sofre em um País estrangeiro, das dificuldades em ser reconhecido como cidadão, do trabalho precarizado que lhe fornece o mínimo), Souleymane (Abou Sangare, em performance impressionante) desaba. "Minha mãe me deu a vida. E eu só queria poder devolver a ela alguma dignidade", explica o rapaz em frente a consternada funcionária.

Vamos combinar que em tempos de perseguição à imigrantes, de xenofobia, de ódio e de intolerância, uma produção como esta parece se tornar ainda mais impactante. Ainda mais potente. Por menor que seja o microcosmo apresentado. Souleymane é um imigrante da Guiné, uma das tantas colônias francesas. Ele está em Paris para tentar uma vida melhor para a sua família. Sua mãe acabou saindo de casa após problemas psicológicos. O rapaz queria fazer algo que lhe permitisse alguma dignidade. Algo que lhe fizesse bem, como descobrimos no momento decisivo do filme. Em Paris ele tenta a vida como entregador de comida para uma plataforma estilo IFood. Vai pra lá e pra cá de bicicleta, sujeito a todos os tipos de situações complicadas, entrecortando as ruas, evitando (ou não) possíveis acidentes com os carros e seus motoristas desatentos. Tendo de confrontar ainda clientes mal humorados ou mal educados mesmo. Insensíveis. E mesmo gerentes de restaurantes atrapalhados.

 


No transcorrer da obra a gente vai percebendo que Souleymane é um sujeito que, juridicamente, está ilegal na capital francesa. Pra conseguir os documentos ele tem de pagar uma grana forte em uma espécie de mercado paralelo com pessoas que ele não sabe bem se pode, de fato, confiar - imigrantes como ele, que estão há mais tempo por lá. Para trabalhar, precisa pedir emprestado o nome de uma outra pessoa - um empregado de uma loja local -, para poder operar por baixo dos panos. Há um instante em que ele leva um pacote de comida para um grupo de policiais, que ocupa uma rua escurecida. O medo parece ser iminente - e a gente torce para que ele consiga escapar dali sem nenhuma violência física ou psicológica. Ou qualquer trauma a mais em sua vida. Com o dinheiro em mãos. É tudo tenso e urgente em uma bicicleta que simplesmente não para, com a câmera colada a ela. Em alguns momentos até parece que estamos em um documentário sobre trabalhadores precarizados vulneráveis.

Os poucos momentos de sossego do protagonista envolvem encontros fortuitos e esporádicos com outros refugiados que circulam alucinadamente pela cidade, também em suas bicicletas. É com eles que ele conversa amenidades, pequenas bobagens, assuntos futebolísticos, ou a respeito de clientes gostosas que passaram por eles durante o dia. São pessoas, como quaisquer outras, com virtudes, defeitos, medos e sonhos. A ideia de conseguir se estabelecer na França envolve um plano de fuga da Guiné, por supostas perseguições políticas. O interlocutor que atende os imigrantes junto a assistência social, garante que o relatório fictício pode dar bom resultado. Só que as coisas são mais complexas do que aparentam. Mais cruas, doloridas e verdadeiras. Souleymane quer a proteção do governo francês para que tenha o mínimo. Para poder trabalhar. Deixa pra trás sua família, o amor da sua vida, para sobreviver em pátria estrangeira, que não a sua. Longe de casa, de tudo. O ápice do filme nem seria necessário para que nos compadecêssemos. Mas ele serve como a cereja do bolo de uma experiência dolorida, desalentadora, mas que preserva uma pontinha de esperança.

Nota: 8,5 

 

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