De: Clint Bentley. Com Joel Edgerton, Felicity Jones, William H. Macy e Clifton Collins Jr. Drama, EUA, 2025, 103 minutos.
[TEXTINHO COM SPOILERS DE LEVE]
Sonhos de Trem (Train Dreams) é aquele tipo de filme que consegue extrair poesia em meio à brutalidade. Que pode ser afetuoso, mas dolorido. Plácido, mas duro. Aliás, mais ou menos como é o mundo. E, talvez, mais ainda como era o mundo no passado, na época da expansão dos Estados Unidos para o Oeste, com suas construções, ferrovias, trabalhadores braçais e guerras. Sim, não é de hoje que o capitalismo dita as regras e sufoca famílias mundo afora, como comprova a obra do diretor Clint Bentley - e que é inspirada na novela do autor Denis Johnson - e que está disponível na Netflix. Sem esconder as inspirações no cinema de Terrence Mallick, com sua câmera baixa em travellings lentos e narrações em off suntuosas, Bentley narra a história do operário Robert Grainier (Joel Edgerton) que, por trabalhar em uma empresa de construção de trilhos de trem, tem uma vida meio nômade, o que o faz se manter inevitavelmente afastado da esposa Gladys (Felicity Jones) e da pequena filha Kate.
Na trama, Robert perde os pais ainda jovem, abandona a escola e conhece Gladys durante uma festa. Apaixonada, a dupla constroi uma simpática cabana às margens de um rio, onde vivem uma vida simples. Só que o ano é 1917 e o consumo de madeira parece não ter limites - o que exige do protagonista uma série de idas e vindas a trabalho, serrando madeira infinitamente para os grandes proprietários. O que o faz presenciar também a dor e a tragédia do mundo, não apenas no que se refere a acidentes de trabalho (com galhos e tocos de árvores caindo nas cabeças dos empregados), mas também à perseguições xenofóbicas em relação à asiáticos, pretos e outros povos. Aliás, é justamente a morte de um colega chinês, que é capturado e arremessado de uma ponte, que perturbará a existência de Robert dali pra frente - com a culpa o atormentando em sonhos ou visões, o que é reforçado pela onipresença da religião no combo.
Em meio às dificuldades, Robert toma a decisão de abandonar a empresa para, junto da esposa, construir um moinho próprio. Mas como as exigências financeiras são altas, o homem parte para uma última missão de extração para, na volta, se deparar com uma tragédia: a cabana e todo o entorno foram consumidos por um enorme incêndio florestal. Não há notícias de Gladys e Kate. Ninguém sabe de seu paradeiro. Se estão vivas ou não. E, claro, como se a desgraça pouca não fosse bobagem, Robert será eternamente importunado pelo sentimento de culpa. Se ele tivesse por ali, ao invés de estar trabalhando, poderia ter sido diferente? Elas poderiam ter sobrevivido? Ou será que elas conseguiram sobreviver? Migraram? Sem respostas, o protagonista resolve recomeçar a sua vida no mesmo local, mantendo o firme propósito de que sua amada possa retornar para ali. Algum dia.
Em linhas gerais esse pode ser um filme bastante triste para aqueles que estão acostumados com começos, meio e fins mais convencionais - ou com finais felizes acima de tudo. Mas o caso é que o que a obra busca evidenciar é a complexidade do mundo em meio à avanços - tecnológicos, políticos, sociais -, e de como esses acontecimentos podem se impor no microcosmo. Tudo que Robert queria era poder ser sua filha crescer e viver uma vida idílica com Gladys - o que é reforçado por instantes oníricos, quase elegíacos, de quando estão juntos. Como um casal apaixonadamente romântico. Mas o problema está no mundo e em sua brutalidade. Na ganância, na cobiça, na busca desenfreada por lucro. Ao cabo, o que temos aqui é uma experiência meditativa sobre o sonho americano, com suas figuras ao mesmo tempo lendárias, mas demasiadamente humanas. É simples, bonito e doloroso em igual medida.
Nota: 7,5

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