segunda-feira, 10 de novembro de 2025

Novidades em Streaming - A Melhor Mãe do Mundo

De: Anna Muylaert. Com Shirley Cruz, Seu Jorge, Luedji Luna, Rihanna Barbosa, Benin Daihler e Lourenço Mutarelli. Drama, Brasil, 2025, 105 minutos.

"Nós não vamos dormir aqui, né? Não, nós vamos acampar!" Sinceramente, não é difícil entender os motivos de o público associar o comportamento de Gal (Shirley Cruz), a protagonista de A Melhor Mãe do Mundo, com o de Guido, o trágico personagem central de A Vida é Bela (1998), que tenta esconder os horrores da guerra do filho, ao tentar converter o campo de concentração em um espaço de "aventuras". Situações diferentes, mas tristezas semelhantes em um mundo que vira as costas para as minorias - sejam os judeus vítimas dos nazistas, sejam as mulheres pretas na sociedade como um todo. Tendo de matar um leão por dia para oferecer o mínimo - e não deixa de ser comovente o instante em que Gal coloca os filhos para dormir ao ar livre, na carroça que ela utiliza como catadora de papelão, enquanto recusa uma série de ligações do marido abusador Leandro (Seu Jorge), de quem ela está fugindo.

Quando contratou Shirley para ser a sua protagonista, a diretora Anna Muylaert - do ótimo Que Horas Ela Volta? (2015) -, afirmou em entrevista ao Globo, que "ela tem uma coisa 'brava' de que gosto muito". Pode ser que esteja no olhar, ou nos movimentos do corpo, mas o caso é que a atriz é extremamente convincente em seu papel. Não apenas pelo fato de a maioria das catadoras serem negras, mas por Shirley já ter vivido na pele um abuso na vida real. "Ele passou 24 horas me estuprando e agredindo. Tinha um teste para uma novela na TV Globo, e me fez ligar para desmarcar", explicou na mesma entrevista. Nesse sentido, o resultado que se vê em tela parece muito próximo da verdade. Algo quase documental - do início em uma delegacia, encontrando pouco apoio após a abertura de um BO, ao final, quase esperançoso, em um ambiente de apoio e sororidade.

 


No meio do caminho, após a fuga de casa com as crianças à tiracolo - no caso os pequenos Rihanna (Rihanna Barbosa) e Benin (Benin Daihler) -, encontros com um sem fim de pessoas, bem ou mal intencionadas, em uma jornada que foi apelidada em alguns veículos com a alcunha de road movie de carroça. O ponto final da jornada de Gal será a casa da prima, Bia (Luedji Luna, que se já não bastasse ser uma de nossas melhores cantoras da atualidade, também entrega muito na atuação), na região de Itaquera, onde deverá receber abrigo provisório. Em um dos encontros, Gal conhece Munda (Rejane Faria), uma vendedora de bandeiras de time de futebol que é cadeirante e que lhe explica de forma quase excessivamente didática, como funciona a ocupação onde ela reside.

Poética em alguma medida, a produção que chega à Netflix se ocupa em entregar momentos meio Projeto Flórida (2017) futebolístico, já que o sonho das crianças, que estão em um local muito próximo ao campo do Corinthians, é ver um jogo do Timão. Em outro instante, Gal recebe a ajuda de um certo Reginaldo (Lourenço Mutarelli), que parece disposto à auxiliá-la (ao menos até o instante em que ele revela sua verdadeira faceta). Discutindo nas entrelinhas um sem fim de temas políticos e sociais, com diálogos divertidos e curiosos (especialmente aqueles envolvendo as crianças), o filme ainda reafirma as dificuldades que envolvem se livrar de um marido abusador. Ainda mais quando este é o provedor da família - e, nesse sentido, não é por acaso que o churrasco na casa de Bia, é pago por Leandro. Que tenta uma reaproximação torta, com a conivência de todos ali. Ao final resta o banho que lava a alma de tudo. E que pode ter um significado para além do simples asseio e que versa sobre a complexidade de ser uma mãe periférica.

Nota: 8,0 

 

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