De: Agathe Riedinger. Com Malou Khebizi, Idir Azougli, Andréa Bescond e Léa Gorla. Drama, França, 2024, 103 minutos.
"Eu já me decidi. Vou ficar famosa e vou ter dinheiro". Diamante Bruto (Diamant Brut), a ótima estreia da diretora Agathe Riedinger, já passa da metade quando a protagonista Liane (Malou Khebizi) diz a frase que abre esse texto, com uma convicção comovente. Ela está em um consultório, onde um médico lhe explica as opções de próteses de silicone para o bumbum. Quais os tipos, os efeitos alcançados, os investimentos. Liane, uma jovem infliuencer de 19 anos que nem ainda teve as suas primeiras experiências sexuais direito, está convicta de que precisa daquilo. Para melhorar sua imagem - mesmo que, aos nossos olhos não haja nada que necessite melhoria ali. Só que a jovem precisa mais. Mais validação. Mais carinho de um público que está interessado apenas na sua aparência, no seu decote, na sua barriga a mostra, nas pernas e nos pés (machucados) sempre em um salto alto. É um efeito dos complexos tempos atuais: a fama tem um preço. E ele pode ser caro de muitas formas.
Há outras frases de efeito ditas por Liane nos transcorrer da narrativa e, muitas delas, são muito verdadeiras em sua mentalidade ainda em formação. Uma mentalidade em que plataformas de exposição como o Tik Tok funcionam como uma pequena bomba relógio em vias de explodir, quando o assunto é a saúde mental dos usuários. "Se você é bonita, as pessoas te admiram" ou "eu sei que não sou comum", são algumas das sentenças verbalizadas pela nossa anti-heroína que, ao cabo, só deseja ser conhecida a todo o custo. Não por mera vaidade, aparentemente. Mas também por acreditar que esse possa ser um caminho para que, de fato, a sua vida mude. Pra que ela saia de uma vida marginal, em que mora com a mãe narcisista e a irmã mais nova devota, indo daqui pra lá em meio a bicos feitos com produtos roubados. Aos poucos mais de 10 mil seguidores nas redes sociais, ela entrega dancinhas e performances generalistas com roupas mínimas - o que, em muitos casos, pode ser o suficiente para o acesso a algum tipo de fama.
Como muitas que estão nessa segunda divisão do universo dos influencers - sem ainda uma capacidade de monetizar a contento no mercado publicitário, e sem um público mais cativo que lhe consuma para além do fetichismo voyeur -, o caminho para o estrelato ainda passa por alcançar outros espaços. Que possam gerar um status a mais. No caso de Liane, o seu desejo nem tão secreto é poder participar de algum reality show televisivo de gosto duvidoso - e é exatamente o que ocorre quando ela faz um teste para o excêntrico programa Miracle Island Miami. Que, no mundo real, nem parece tão atrativo assim, já que o salário por dois meses de trabalho alcança, com muito bom gosto, os cinco mil euros - com exigências que vão de muita exibição do corpo e um comportamento disposto para o conflito e para certo hedonismo pervertido ("não queremos nenhuma santa", alerta a produtora). Ah, fora o fato de os apresentadores terem um histórico de assédio e violências contra as mulheres. Um "detalhezinho".
Importante dizer que Agathe é hábil em não julgar a protagonista - que parece sim ter alguma compreensão dos papeis de gênero e do machismo que a rodeia (como na repulsiva sequência do metrô, ainda no início, ou na distância que preserva do onipresente amigo de infância Dino, vivido por Adir Azougli) -, a inserindo no papel de desajustada que luta por aquilo que, de fato, ela acredita. E como ela acredita. Como se fosse uma personagem de Sean Baker em uma experiência onírica e nebulosa que retira da França o seu glamour meio natural, Liane se converte em uma representação da potência e da persistência frente a certos ideais - mesmo que, para os cidadãos de bem conservadores, esses ideais possam parecer meio difusos. Uma bunda e um par de seios mais volumosos que a façam chegar perto daquilo que ela deseja? Que seja. O Tik Tok está descaralhando uma galera da cabeça e é fundamental que não se perca de vista os efeitos malignos em jovens, que se sentem inadequadas ou insatisfeitas com seus corpos, ou que buscam validação o tempo inteiro. Liane não é a vilã. Ela é apenas alguém tentando jogar o jogo. Com aquilo que ele oferece. E talvez seja por isso que a gente se sinta tão feliz por ela no frame final.
Nota: 8,5
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