De: Maura Delpero. Com Martina Scrinzi, Giuseppe De Domenico, Tommaso Ragno e Rachele Potrich. Drama, Itália / França / Bélgica, 2024, 119 minutos.
Guerras, fanatismo religioso, patriarcado, autoritarismo. Vamos combinar que essa trinca pode até parecer um resumo do mundo em 2025, mas não. No caso de Vermiglio: A Noiva da Montanha (Vermiglio), filme da diretora Maura Delpero que estreia nesta semana nos cinemas, trata-se apenas da Itália nos anos 40. O cenário é uma remota (e gelada) aldeia nas montanhas onde uma numerosa família se ocupa de atividades cotidianas típicas do meio rural - tirar leite das vacas, juntar lenha, buscar água no poço. É aquela rotina que até hoje vemos em pequenas comunidades do campo, que possuem sua própria lógica de funcionamento, enquanto lá fora, à uma certa distância, o mundo acontece. Só que tem vezes que esse universo meio paralelo encontra uma brecha que perturba aquele dia a dia ordinário - e que, aqui, é representado pela chegada inesperada de Pietro (Giuseppe De Domenico), um jovem e taciturno soldado, que está em fuga da guerra.
Da forma como a narrativa é construída, em estilo fragmentado - os silêncios são inúmeros, bem como os longos planos em que a ação ocorre ao fundo, de forma quase abstrata, enquanto a neve oprime - caberá ao espectador ir meio que montando o quebra-cabeças daquilo que se acompanha. Ao chegar no local, Pietro é saudado pela família de Cesare (Tommaso Ragno), um sisudo professor local, por ter salvo Attilio (Santiago Fondevila), carregando-os nos ombros diretamente do front. O ato heroico ganha tração no povoado - para muitos uma atitude digna. Já para outros, parece haver certa vergonha no ato de desertar. "Talvez se todos fossem covardes não haveria mais guerra" comenta alguém em certa altura. Para a jovem Lucia (Martina Scrinzi), uma das filhas de Cesare, há um outro interesse, que pode ser percebido em seus olhares claudicantes: ela se apaixona por Pietro.
Em linhas gerais essa poderia ser uma história mais ou menos simples sobre o amor nos tempos de guerra - e sobre como tudo pode ser mais complexo do que, de fato, é, em tempos brutos. Mas o filme de Delpero, que é inspirado nas memórias da juventude da realizadora, guarda um espaço interessante para, de forma sofisticada e sutil, discutir uma série de temas que seguem mais do que relevantes nos dias atuais. Irmã de Lucia, a adolescente Ada (Rachele Potrich) claramente sofre por jamais poder verbalizar o seu amor pela amiga Virginia (Carlotta Gamba) - o que seria um escândalo em um espaço tão conservador e misógino em que as expectativas sobre as mulheres recaem apenas em um projeto: o de servirem de depósito de filhos para os seus maridos (sim, duro, mas real). A própria Ada, assim que conclui seus estudos, ouve de Cesare uma sentença dita com um naturalismo sufocante: "sua trajetória escolar termina aqui". Isso depois de ter sido aprovada em disciplinas, como, Economia Doméstica.
A própria Adele (Roberta Rovelli), esposa de Cesare, sequer tem tempo de ser efetivamente consolada quando um de seus filhos simplesmente morre. Já há mais um na barriga - o décimo, que deve nascer em breve. E por mais respeitado que Cesare possa ser por seus pares a sua incorrigível rigidez se apresenta como uma de suas tantas falhas, como no caso do episódio da aquisição dos discos de Vivaldi (e as quatro estações que fluem de forma inexorável soam apenas trágicas quando percebemos que as mulheres não têm nenhum poder de decisão sobre questões financeiras). Triste, gélido, surpreendente (especialmente no terço final) e contemplativo, esse é aquele tipo de projeto que nem sempre é fácil. Há uma ambientação vagarosa, de trilha sonora mínima e uma dinâmica de filmagem pouco convencional e de quadros demorados. Mas o que fica dessa obra que foi a enviada da Itália ao Oscar desse ano, são as mensagens das entrelinhas, como no momento em que Ada revela à sua irmã Flavia (Anna Thaler), os motivos pelos quais gostaria de ser padre. "Para poder aplicar penitências?", pergunta a pequena. "Não. Para poder ser ouvida sem ser interrompida". Uma das tantas lições.
Nota: 8,0
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