segunda-feira, 14 de outubro de 2019

Cinema - Em Guerra (En Guerre)

De: Stephane Brizé. Com Vincent Lindon, Mélanie Rover, Jacques Borderie e David Rey. Drama, França, 2018, 113 minutos.

Não fosse a presença sempre magnética do astro Vincent Lindon, e Em Guerra (En Guerre) poderia ser confundido com um documentário sobre a crise desencadeada por um processo de demissão em massa numa indústria francesa. A câmera sempre íntima de suas personagens, os longos planos sequência, a utilização de som diegético e os diálogos amplamente naturalistas transformam a película de Stephane Brizé no elogio da luta trabalhista diante de um sistema que oprime e que ignora completamente o esforço do operariado, seus direitos e, consequentemente, sua subsistência. Aliás, esta não é a primeira vez que Brizé aborda o tema: foi assim também no ótimo O Valor de Um Homem, em que se distanciava a França glamourosa dos cartões postais e de pontos turísticos romantizados como a Torre Eiffel, para entrar em seu lugar um País que convive com o desemprego alarmante e com o abismo social que coloca em lados opostos ricos e pobres.

Bom, se na película de 2015 um desempregado de meia idade lutava com todas as forças para tentar retornar ao mercado de trabalho, agora, a causa é coletiva, já que 1.100 empregados da fábrica Perrin Industrie são demitidos após o fechamento do Parque, que reabrirá na Romênia, com salários mais baixos. E o pior, os executivos da companhia estão ignorando completamente um acordo feito dois anos antes, com a participação dos sindicatos - muitas vezes criminalizados -, em que os funcionários ampliavam a sua carga horária, abrindo mão de honorários e outros benefícios, para garantir a manutenção dos seus empregos. O motivo alegado pelos industriários é a insatisfação dos acionistas: mesmo com a empresa dando lucro (17 milhões de euros anuais), este não estaria sendo satisfatório no mercado. Uma equação de difícil compreensão e que fará os trabalhadores, encabeçados por Laurent Amedeo (Lindon), irem literalmente à luta.


Greves, passeatas, longos debates com sindicatos, mobilizações, busca de apoio político, da imprensa e do Ministérios Público e uma série de outros recursos serão aplicados pelos trabalhadores, que viverão uma verdadeira via crucis de enfrentamento à homens engravatados em prédios imponentes, mas que parecerão o tempo todo estar pouco "se lixando" para a sua causa. É uma obra que vai ao centro nervoso de uma briga trabalhista, de forma crua, direta e absurdamente verossímil. Uma luta inglória, aliás. Nesse sentido chegam a impressionar não apenas as sequências em que se discutem as próximas ações coletivas para que haja alguma conquista efetiva - e a verborragia pode ser cansativa para quem não tem paciência para um filme com esta temática -, mas também aquelas em que o enfrentamento se apresenta como única solução, sendo possível acreditar realmente nas agressões sofridas pelos trabalhadores, quando entram em choque com a polícia (e com o Estado).

Filme que não apresenta solução fácil, a obra pode soar apelativa em seu terço final - ainda que saibamos que dificilmente se conquista alguma coisa nesse meio, sem alguma "atitude extrema". Ostensivamente panfletário, o roteiro mostra que quem define as regras do jogo é sempre o lado mais forte dessa equação, cabendo à ponta mais frágil se unir e ter inteligência para que haja comoção da opinião pública - ainda que a mídia dificilmente ajude. Com uma excelente mise-en-scène - particularmente gostei muito da presença da imprensa no filme, que lhe confere um ar de "permanente reportagem" -, a obra peca apenas nos excessos relacionados à trilha sonora (que busca amplificar o clima bélico, mas que no fim parece apenas um barulho confuso) e a seu tamanho (lá pelas tantas as ideias parecem se repetir). No mais, é como se estivéssemos no centro de uma manifestação que teima em lutar contra as injustiças de um sistema que privilegia quem tem dinheiro. E que sacrifica diariamente milhares de trabalhadores. A propósito, qualquer semelhança com o nosso País não será mera coincidência.

Nota: 8,0


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