De: Peter Weir. Com Anne-Louise Lambert, Margaret Nelson, Rachel Roberts, Helen Morse e Jacki Weaver. Drama / Suspense, Austrália, 1975, 115 minutos.
Uma montanha enevoada, um clima de sonho febril e bucólico, os banhos de flores, as roupas rendadas, a trilha sonora onírica e delicada, os letreiros góticos - absolutamente tudo, no início do clássico hippie Piquenique na Montanha Misteriosa (Picnic at Hanging Rock), sugere um ambiente romântico, mas misterioso, sensível, porém enigmático. Ao cabo, a obra conduzida pelo versátil Peter Weir (de O Show de Truman, 1998) e que recém completou 50 anos de seu lançamento, pode ser uma experiência excessivamente contemplativa para alguns paladares. Especialmente por não adotar, como seria esperado em uma produção dos anos 70, o esquema de início, meio e fim desenhados de uma forma mais tradicional, ou com algum tipo de solução mais satisfatória. Só que esse é um filme muito mais sobre a atmosfera criada. A respeito de sensações evocadas. E sobre temas que ficam uma camada abaixo - e que vão do amadurecimento, passando pelas descobertas sexuais, até chegar às diferenças sociais ou mesmo o medo do desconhecido.
Em um primeiro momento, a produção estabelece diálogo com suspenses típicos de gênero, quando três alunas e uma professora simplesmente desaparecem, sem muitas explicações, em meio a um piquenique junto às opressivas formações geológicas de Hanging Rock, em Victoria, na Austrália. É o Dia dos Namorados no ano de 1900 e as jovens estudantes de um internato para meninas estão animadas com a possibilidade de saírem à campo para celebrar a data. A severa diretora Mrs. Appleyard (Rachel Roberts) alerta para as situações de risco: os rochedos podem ser perigosos, há chance de haver cobras ou formigas e a exploração está proibida. A ideia é que elas elaborem uma redação como tema de casa e o clima é amistoso. Menos para uma garota de nome Sara (Margaret Nelson), que é obrigada a ficar no educandário - e, mais adiante, compreenderemos os motivos, dado o conservadorismo reinante e um certo estranhamento no que diz respeito ao afeto excessivo que Sara dispensa à outra jovem, no caso Miranda (Anne-Louise Lambert).
Aliás, aqui está uma das grandes habilidades do filme - inspirado em obra da romancista Joan Lindsay -, que é apresentar uma série de subtextos de forma sutil, sem apelar para obviedades ou convenções. O suposto lesbianismo de Sara nunca vai para além do campo da sugestão - ela é impedida de ir ao piquenique por ser uma novata recém-chegada de outro orfanato e que teria sido apartada de seu irmão. Com a opressão à ela se ampliando conforme ela apresenta uma série de dificuldades financeiras, ficando em "dívida" com a escola. Miranda é uma das jovens que desaparecem em Hanging Rock, ao lado de Marion (Jane Vallis) e Irma (Karen Robson). O sumiço se dá após um misterioso evento que faz os relógios pararem (às 12h em ponto), ao mesmo tempo em que os professores aceitam que as jovens saiam do seu raio de ação, sob a desculpa de investigarem melhor o local. No caminho, o trio que é acompanhado ainda por Edith (Christine Schuler) - que é a única que consegue fugir -, é sorrateiramente observado pelos jovens Michael (Dominic Guard) e Albert (John Jarratt).
Quando Edith retorna desesperada ao acampamento, após um transe que leva Miranda, Marion e Irma para uma espécie de fenda, as explicações são desencontradas. Uma professora, que teria tentado auxiliar nas buscas, também desaparece. A força tarefa que faz as buscas não tem muitas informações. Edith alega ter visto uma nuvem vermelha. O quarteto teria desmaiado junto às rochas antes do ocorrido. Pessoas aleatórias teriam sido vistas em meio às frestas estreitas, à distância, como se não tivessem uma "função" bem definida. "Na Inglaterra não se permite que jovens passeiem assim sozinhas", lembra Michael, fazendo um aceno ao patriarcalismo da época, que se une a um apelo à violência como forma de dominação. Nada fica muito claro e também a situação não se resolve, quando Irma é localizada desacordada. A sensação é de alarmismo e de colapso, com especulações sobre estupro e assassinato e outros crimes que podem abalar a reputação da escola - com a tragédia se ampliando perto do desfecho, com o mistério permanecendo insolúvel. O que não reduz o impacto dessa joia cult, que integra uma série de listas de melhores, inspirando, anos mais tarde, uma série de outros projetos, como As Virgens Suicidas (2000), de Sofia Coppola.
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