segunda-feira, 8 de setembro de 2025

Cinema - A Vida de Chuck (The Life of Chuck)

De: Mike Flanagan. Com Tom Hiddleston, Chiwetel Ejiofor, Mark Hamill, Karen Gillan e Jacob Tremblay. Drama / Fantasia, EUA, 2025, 111 minutos.

Uma jovem artista de rua toca bateria em uma esquina qualquer. As pessoas passam, não dão muita bola, seguem suas vidas. Aquilo que a gente meio que vê nas grandes cidades, cotidianamente. Até o momento em que um sujeito bem vestido - com um terno bem cortado -, de pasta na mão, cruza por ela. E, de forma inesperada, para. Para, ouve, começa a absorver aquele ritmo cadenciado e inicia uma dança. Que começa econômica, mas evolui de forma expansiva, chamando a atenção de outros. Uma outra mulher é convidada pelo homem a dançar com ele, se propondo a conduzi-la. O que formará um conjunto belo e envolvente, e que talvez dê conta do caráter aleatório da existência. A gente nunca sabe onde está exatamente a linha de chegada, quem deixará marcas em nossas vidas, quais memórias teremos. Ou mesmo dores, desejos, arrependimentos. É meio óbvio que tudo isso nos percorra. E ao mesmo tempo muito lindo como A Vida de Chuck (The Life of Chuck) lida com todas essas questões.

A etapa em que o homem dança com a mulher, ao som de uma baterista em um dia tranquilo faz parte do segundo ato da obra de Mike Flanagan, inspirada em um conto recente de Stephen King (aliás, uma das especialidades do realizador, adaptar obras do autor de livros de mistério). Esse segmento - seu título é Artistas de Rua Para Sempre -, é meio que fundamental para a compreensão daquelas que parecem ser algumas das ideias centrais da produção. A de que não somos absolutamente nada e ninguém "na fila do pão", mas que ao mesmo tempo somos capazes de coisas maravilhosas. Chuck (Tom Hiddleston na fase adulta), o homem que dança, é apenas um contador que deixou o sonho de ser artista pelo caminho. Mas que reaviva esse ideal, justamente no momento em que encontra Taylor (Taylor Gordon), a baterista. Chuck ainda não sabe, mas tem apenas nove meses de vida pela frente. Ou vai ver talvez ele saiba e sinta isso. E não queira desperdiçar nenhuma oportunidade.

 


Importante que se diga que nenhuma análise que se faça desse belo projeto poderá ser definitiva. Essa é uma obra bastante aberta e cheia de possibilidades de interpretação. Chuck é alguém que morre com apenas 39 anos e, quando o filme começa, no exato instante em que o ocaso de sua existência parece em curso, ao mesmo tempo o nosso planeta parece ir pelo mesmo caminho. No ato 3, chamado de Obrigado, Chuck - sim, a coisa vai de trás pra frente, tornando tudo mais formidável - temos o professor de Ensino Médio, Marty Anderson (Chiwetel Ejiofor). Que parece enfastiado com os rumos da educação, ao mesmo tempo em que se depara com o caos ambiental que se instala - com grandes tsunamis, queimadas, vulcões e crateras que afetam sua vida e os demais -, que resulta na queda da internet, na perda de serviços telefônicos, da luz e da esperança como um todo. Desesperado, ele tenta ir ao encontro de sua ex-esposa Felicia (Karen Gillan), enquanto tudo o que enxerga são placas, outdoors e mensagens oficiais na TV, saudando a existência de um certo Chuck. Que parece ser ao mesmo tempo o último meme, e algum tipo de esperança que conecta todos ali ao espaço material. 

Já na primeira parte, Eu Contenho Multidões, viajaremos para infância e para a juventude de Chuck, com suas memórias embotadas pela perda precoce dos pais em um acidente de carro, com ele sendo criado pela afável avó Sarah (Mia Sara) - que é quem estimula o protagonista a dançar - e pelo taciturno avô Albie (Mark Hamill), que se torna alcoólatra após a perda do filho. Na casa dos avós, permanece um mistério que envolve um quarto no sótão: a recomendação é de que ele nunca seja aberto. Sob hipótese alguma. Na juventude, os dissabores e as complexidades do crescer, com suas paixões gerais e incertezas, colidem com certo idealismo capaz de superar fantasmas literais, ou reais, que rondam a vida do menino. Fantasioso, eventualmente onírico, repleto de simbolismos e de metáforas sobre dor, perdas, memória, luto e amadurecimento e futuro, essa é uma das grandes obras da temporada e que nunca se fecha simplesmente, quando sobem os créditos. Somos uma partícula minúscula dentro da teoria do Calendário Cósmico - nos lembra o professor Marty em certa altura. E ainda assim, repletos de vida, de contradições e de experiências extraordinárias. 

Nota: 9,0 

 

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